Após um curto namoro, Maria e Manuel decidem viver juntos num andar, que Manuel se dispõe a comprar com o seu dinheiro.
Como Manuel ainda está casado, combina com
Maria que será esta a outorgar a escritura de compra e venda, transferindo
depois para ele, o respetivo direito de propriedade, logo que se encontre
divorciado.
Como Manuel não dispõe da totalidade da
quantia necessária para a compra do andar, pede emprestado conjuntamente com seu
pai, €50.000, ficando obrigado a entregar uma prestação mensal para amortização
da quantia emprestada e pagamento de juros.
Ambos acordam que Manuel será responsável
pelo pagamento do empréstimo e das despesas com a alimentação, e Maria será responsável pelo pagamento das prestações do condomínio, luz, água e telefone.
Após 3 anos de vida em comum, o casal
separa-se.
Decretado o divórcio de Manuel, e perante a
recusa de Maria em transferir a propriedade do andar para ele, este propõe uma
ação em que pede que fosse proferida sentença que declarasse transmitido para
si o direito de propriedade sobre o referido andar.
Maria contestou a ação e pede agora que
Manuel seja condenado a devolver-lhe todas as quantias que ela havia gasto com
o condomínio, luz, água e telefone.
Quid iuris?
Proposta de resolução:
Introdução
A figura da gestão de negócios obriga ao preenchimento cumulativo dos seguintes requisitos:
- a assunção da direção do negócio alheio;
- no interesse e por conta do respetivo dono;
- sem para tal haver autorização, ou seja, sem mandato, nos termos do art. 1157º, CC, exteriorizado na designada procuração, que se forense, recebe o regime do art. 43º, CPC (arts. 464º e 468º, CC).
Aquele que interfere no negócio denomina-se gestor, em contraposição ao
seu titular, o dono do negócio (dominus).
Assim, a assunção da direção de negócio alheio
impõe uma ação (que pode abranger atos jurídicos ou puros atos materiais), de
acordo com a lei, a ordem pública e os bons costumes.
Desenvolvimento
No caso, não se aplica a figura da gestão de
negócios, dado que Maria tem poderes plenos e concordância do
mandatário para o ato (art. 464º, a contrario, CC).
Maria atua em nome próprio, no âmbito da gestão não representativa (art. 471º, 2º parte), ou seja, intervém
como mandatária sem
representação.
Define-se mandato sem representação como aquele em que o mandatário (Maria) age em nome próprio, adquirindo os direitos e assumindo as obrigações decorrentes dos atos que celebra (art. 1189º, CC).
[Por vezes, confunde-se mandato com mandado.
Mandato corresponde a uma delegação de poderes, em que o mandante ordena (emitente do mandato) e o mandatário (destinatário do mandato) executa.
Mandado refere-se a alguém que foi mandado (a mando), a realizar algo, por ex. mandado de captura].
O mandatário (Maria) é obrigado a transferir para o mandante os direitos adquiridos em execução do mandato (art. 1181º, nº 1, CC).
E o mandante (Manuel) deve assumir o negócio, através de contrato com ratificação (art. 595º, nº 1, ex vi art. 1182º, 1ª parte, CC), as obrigações contraídas pelo mandatário (Maria) em execução do mandato.
O art. 595º, CC, deve ser interpretado à luz do caso concreto, assim, deve ler-se "a transmissão só exonera o mandatário havendo declaração expressa do credor; de contrário, o mandatário responde solidariamente com o mandante".
A ratificação do negócio é matéria crucial dado que o mandante (Manuel), pediu emprestado conjuntamente com seu pai, €50.000 (tendo celebrado um contrato de mútuo, definido no art. 1142º, CC).
Assim, havendo ratificação, o mandante (Manuel) assume com o pai uma obrigação conjunta (não definida legalmente), respondendo cada um dos condevedores na respetiva quota parte de responsabilidade.
Não havendo ratificação, Maria (mandatária) assume com o mandante (Manuel) uma obrigação solidária (art. 595º, nº 2, 2ª parte, CC). A obrigação diz-se solidária, quando cada um dos devedores responde pela prestação integral e esse cumprimento libera o outro (art. 512º, nº 1, 1ª parte, CC).
Essa solidariedade concerne, no entanto, a parte da dívida do mandante (Manuel).
Dado que houve uma
causa justificativa (acordo entre as partes) não é aplicável a figura do enriquecimento sem causa (art. 473º), atento o seu caráter subsidiário (art. 474º).
Conclusão
O acordo estabelecido é válido face
ao princípio da liberdade contratual, previsto no art. 405º, nº 1, CC.
Pelo que, o
contrato deve ser pontualmente cumprido (art. 406º, CC), transferindo-se a propriedade do andar para Manuel.
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