O acórdão decide sobre matéria relativa a responsabilidade civil por factos ilícitos, nos termos do art. 483º, nº 1, CC, a qual pressupõe um juízo de censura ao comportamento do agente (responsabilidade subjetiva).
Constituem pressupostos cumulativos deste tipo de responsabilidade:
- ação voluntária do agente [comportamento ativo (facere) ou omissivo (omittere) desconforme ao Direito];
- culpa (imputabilidade, dolo/negligência; não verificação das causas de exclusão da ilicitude);
- ilicitude (manifestação expressa pela desconformidade entre o comportamento devido e o executado);
- resultado (mero perigo/dano);
- nexo causal entre a ação-resultado (causalidade adequada).
O aresto considerou a gestão da infra-estrutura integrante da rede ferroviária nacional e dos respetivos sistemas de regulação e segurança, pelos meios e riscos que envolve, como perigosa para efeitos de aplicação do regime do n.º 2 do art. 493.º do CC (ponto VI).
O art. 493º, nº 2, CC, estatui que: “Quem causar danos a outrem no exercício de uma atividade, perigosa por sua própria natureza ou pela natureza dos meios utilizados, é obrigado a repará-los, exceto se mostrar que empregou todas as providências exigidas pelas circunstâncias com o fim de os prevenir”.
A derrogação prevista na segunda parte da norma não se aplica ao caso, dado que: “A Refer descurou as condições de segurança da envolvente à passagem de nível que apresentava igualmente deficiente sinalização, agindo culposamente” (ponto VII).
O DL n.º 291/2007, de 21 de agosto, aprovou o Regime do Sistema de Seguro Obrigatório de Responsabilidade Civil Automóvel, a qual procedeu à transposição da Diretiva n.º 2005/14/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11 de maio (que alterou as Diretivas n.ºs 72/166/CEE, 84/5/CEE, 88/357/CEE e 90/232/CEE, do Conselho, e a Diretiva n.º 2000/26/CE, relativas ao seguro de responsabilidade civil resultante da circulação de veículos automóveis.
Na impossibilidade de aplicação de sanção reconstitutiva, a sanção adequada é a compensatória, prevista no art. 566º, nº 1, 1ª parte, CC.
Além da indemnização por dano patrimonial, o art. 496.º, nº 1 CC, permite atender na fixação da indemnização aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito.
Na fixação do respetivo quantum, o tribunal adotou um juízo equitativo, nos termos do art. 4º, CC.
Sumário do Acordão:
I - É do conhecimento comum a perigosidade de atravessamento das linhas férreas, tanto que o aviso colocado nas passagens de nível sem guarda, como a situada no local do acidente, do “pare, escute e olhe” se tornou um dado da cultura do quotidiano, a exigir que a travessia deva ser acompanhada de especiais cautelas.II - Perante este tipo de passagem de nível, sem guarda e provida do sinal STOP bem como da Cruz de Santo André com as inscrições “Pare, Escute, Olhe”, impõe-se a qualquer condutor, antes de iniciar o atravessamento da linha férrea, um redobrado cuidado, acatando as advertências contidas na sinalização existente no local, especialmente o sinal STOP e as que se encontram escritas sob a Cruz de Santo André e que obrigam a parar, escutar e olhar.
III - Atentas as condições físicas e características do local, designadamente ao nível da visibilidade, que era inexistente até determinado momento e após estava francamente reduzida para o lado direito, atento o sentido de marcha do veículo automóvel, impendia sobre o condutor desse veículo um acrescido dever de diligência, pois que, como amplamente provado, conhecia bem o local e as suas características, sabendo, assim, da sua particular perigosidade.
IV - Ao invés de adoptar as devidas cautelas, o condutor do veículo automóvel agiu de forma manifestamente inconsiderada, quando, apesar das condições de visibilidade serem reduzidas, iniciou a travessia da linha férrea sem imobilizar, previamente, o seu veículo, efectuando essa travessia em marcha lenta, sem se aperceber da aproximação do comboio, que se encontrava a cerca de 70 metros do local quando iniciou a travessia.
V - O condutor do veículo automóvel violou frontalmente o disposto nos arts. 3.º, 54.º, n.os 3 e 4, e 67.º, n.º 3, do CEst (DL n.º 114/94, de 03-05, com as alterações entretanto sofridas até à Lei n.º 78/09, de 13-08), bem como no art. 3.º do Regulamento das Passagens de Nível, aprovado pelo DL n.º 568/99, de 23-12.
VI - A gestão da infra-estrutura integrante da rede ferroviária nacional e dos respectivos sistemas de regulação e segurança, pelos meios e riscos que envolve, deve ser considerada perigosa para efeitos de aplicação do regime do n.º 2 do art. 493.º do CC.
VII - A Refer descurou as condições de segurança da envolvente à passagem de nível que apresentava igualmente deficiente sinalização, agindo culposamente e, nessa medida, terá de ser corresponsabilizada também pelos danos derivados do acidente (art. 570.º, n.º 1, do CC).
VIII - Os critérios e valores constantes da Portaria n.º 377/2008, de 26-05, com as alterações introduzidas pela Portaria n.º 679/2009, de 25-06, não são vinculantes para os Tribunais nem visam a fixação definitiva dos valores indemnizatórios devidos.
IX - A reparação do dano morte é hoje inquestionável na jurisprudência, situando-se, em regra e com algumas oscilações, entre os € 50 000 e € 80 000, indo mesmo alguns dos mais recentes arestos a € 100 000.
X - Não se questionando a indemnizibilidade dos danos sofridos pelos autores (dano morte, danos não patrimoniais e dano patrimonial futuro), mas apenas o seu quantum, a cuja fixação presidiu juízo equitativo (arts. 496.º, n.º 3, e 566.º, n.º 3, do CC), não cabe ao STJ, por não envolver a resolução de uma questão de direito, sindicar os valores exactos dos montantes indemnizatórios concretamente arbitrados.
XI - A sua apreciação cingir-se-á ao controle dos pressupostos normativos do recurso à equidade e dos limites dentro dos quais deve situar-se o juízo equitativo, nomeadamente os princípios da proporcionalidade e da igualdade conducentes à razoabilidade do valor encontrado.
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