Caso Prático sobre Direito de Preferência (Exame de Admissão OSAE)



António é proprietário de certa quinta e titular de uma servidão legal de passagem sobre uma quinta vizinha. Decidido a vender a quinta, mandou uma carta a Bento, o dono do terreno onerado, perguntando-lhe “se pretendia exercer por €100.000 o seu direito de preferência”. Carlos tinha-lhe oferecido esse valor pela quinta. 
Bento nada disse, de modo que, passados 15 dias, António a vendeu de facto a Carlos, por €100.000, declarando-se na escritura o preço de €60.000. 
Carlos pagou ainda o IMTOI e os emolumentos registais. Bento propõe uma ação contra Carlos em que exige a propriedade sobre a quinta, depositando €60.000. 
Quid iuris?

Proposta de Resolução:

Introdução
O thema decidendi corresponde ao direito de preferência.
Este direito pode assentar numa convenção estabelecida entre as partes (denominado pacto de preferência, previsto no art. 414º, CC) ou decorrer ope legis.
No caso em apreciação, trata-se de uma preferência legal (art. 1555º, CC), cuja titularidade pertence a Bento. 
[Estabelecida que está a modalidade de preferência, não mais se invoca a figura do pacto de preferência, dado ser inaplicável. A arquitetura do raciocínio jurídico a construir atenderá apenas à preferência legal]. 

Desenvolvimento
O enunciado  suscita várias questões a atender:

Quanto à comunicação
O artigo 1555º, nº 2, CC (norma meramente remissiva), remete para os arts. 416º a 418º, CC, disposições relativas ao "pacto de preferência", as quais devem ser aplicadas mutatis mutandis (dado a sua génese corresponder ao pacto).
Assim, António  ao querer vender a quinta terá que cumprir o disposto no art. 416º, nº 1, do CC, comunicando:

 a) o projeto de venda 
Apesar de a lei omitir em que consiste especificamente tal menção, é doutrina firmada que o projeto de venda deve  englobar a indicação do bem, respetivo valor e identidade do terceiro interessado na aquisição (ou seja, António não pretende apenas vender a um eventual interessado, está em vias de concluir um negócio);

b)  as cláusulas do respetivo contrato
As cláusulas contratuais correspondem  às condições essenciais do negócio, incluindo o preço, bem como, segundo entendimento jurisprudencial dominante,  à identificação do terceiro interessado (o que não ocorreu).
[Sobre esta problemática, v. Acordão STJ, nº 02A3447, 11/19/2002, http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/0899a6992590800380256d2d00438d7d?OpenDocument
9. Dos precedentes normativos resulta que o obrigado a dar preferência tem de comunicar ao titular do direito não a simples intenção de vender, mas a existência de um ajuste feito com terceiro, devendo constar dessa comunicação, sem ambiguidades ou lacunas, todos os elementos essenciais do negócio.
Para que o preferente possa exercer o seu direito de opção é indispensável, pois, que conheça os exatos termos em que o vinculado à prolação se propõe negociar com o terceiro.
Daí que a lei fale não só em projeto de venda, como também em cláusulas do respetivo contrato e em elementos essenciais da alienação.
Ora, deve entender-se que são essenciais todos os elementos ou fatores do negócio suscetíveis de influir decisivamente na formação da vontade do titular do direito de preferência, permitindo-lhe uma consciente escolha entre preferir ou abdicar do seu direito de opção. Isto é, são elementos essenciais todos aqueles cujo conhecimento é imprescindível para o titular do direito de preferência decidir se há-de, ou não, exercer o seu direito].

c) o prazo para o exercício do direito
O art. 416º, nº 2, in fine, CC, permite a estipulação de prazo para exercício do direito. Se tal não ocorreu, a lei concede como regime supletivo, o período de 8 dias (nº 2, 1ª parte).

Quanto à simulação do preço
Atendendo ao estatuído no art. 243º, do CC, a simulação do preço de venda não aproveita ao preferente, ou seja,  não é permitida a arguição da simulação contra terceiros de boa fé.

Quanto aos valores emolumentares e fiscais
O preço, a que se refere o art. 1410.º, nº 1, in fine, CC, respeita apenas ao preço em sentido estrito. Os valores emolumentares e fiscais pagos não têm de ser depositados pelo preferente, pois exorbitam a questão contratual.


Conclusão
Conclui-se que a comunicação de António é demasiado genérica e vaga, não permitindo ao interessado construir um interesse contratual positivo.
Pelo exposto, a comunicação é ineficaz, por ausência dos elementos essenciais do negócio.
[Se entendermos que a remissão para o art. 410º, nº 2, CC, implica a adoção do princípio da equiparação quanto à forma, a comunicação deveria respeitar a forma escrita, dado tratar-se de contrato de compra e venda (em sentido contrário, v. Almeida Costa, Direito das Obrigações, 12ª ed., p. 445, nota 2), pelo que a comunicação enfermaria de ineficácia, na modalidade nulidade (art. 220º, 1ª parte, CC).
Se a comunicação fosse válida, Bento deveria indicar a sua posição no prazo de oito dias, sob pena do direito de preferir caducar (art. 416º, nº 2, do CC)].
Assiste, por consequência, a Bento o recurso à ação de preferência prevista no art. 1410.º (ex vi art. 1555º, nº 3), o qual deve ser interpretado à luz do caso concreto, ou seja, lendo-o como se indicasse o "preferente a que não se dê conhecimento da venda", pode recorrer à ação de preferência,  mediante as condições aí explanadas: tempestividade da ação (dentro do prazo de 6 meses a contar do conhecimento dos elementos essenciais da alienação) e depósito do preço nos 15 dias seguintes à propositura da mesma.





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