Comentário ao Acordão sobre Responsabilidade por Factos Ilícitos ou Responsabilidade pelo Risco




Responsabilidade por factos ilícitos ou responsabilidade pelo risco

Sumário do Acordão:
- A obrigação de indemnização do lesado com fundamento em responsabilidade pelo risco não tem como pressuposto necessário a pratica de um facto ilícito pelo lesante, não sendo de incluir no âmbito da remissão do art. 499º do C. Civil o concurso dos pressupostos ilicitude e culpa a que alude o art. 483º.


- As normas do Código da Estrada que proíbem o transporte de passageiros de modo a comprometer a sua segurança ou a da condução, ou fora dos assentos dirigem-se ao transportador, como detentor da direção do veículo e do domínio da ação de transporte;

- Tais normas, diretamente dirigidas à proteção da segurança das pessoas transportadas integram as “disposições legais destinadas a proteger interesses alheios”, variante da ilicitude que, a par da violação de direitos subjetivos do lesado, o art. 483º-1 elege como pressuposto da responsabilidade.

-Perante um tal escopo da norma que proíbe a conduta, ocorrido um acidente mortal causalmente ligado ao transporte de passageiro fora dos assentos, por adquirido se há-de ter estar-se perante um dano produzido no típico círculo de interesses privados que a norma visa tutelar, com a consequente qualificação, como ilícita, da atuação do condutor.

[Ac.  STJ, de 05/07/2009, Proc. nº 24/09.2YFLSB




Comentário:
Debate-se se o acidente é de qualificar no âmbito da responsabilidade por factos ilícitos (responsabilidade subjetiva) ou  pelo risco (responsabilidade objetiva), discutindo-se a verificação casuística  dos conceitos culpa e  ilicitude. Esta discussão é crucial, pois se entendida a verificação de tais requisitos na atuação da parte ou partes, a responsabilidade será considerada por factos ilícitos. 
O Acordão aceitou o  "incumprimento das normas do art. 55º do C. E., então em vigor (DL n.º 114/94, de 3/5), que, como já dito, proíbem o transporte de passageiros de modo a comprometer a sua segurança ou a segurança da condução, bem como fora dos assentos (n.ºs 3 e 4)", consideradas como  disposições da legislação estradal destinadas a proteger a segurança das pessoas transportadas, em que deve incluir-se a integridade física e a própria vida, como expressa a própria norma, bem como, genericamente, a condução como atividade geradora de riscos".
Partindo de tal pressuposto, o tribunal entendeu que tal normativo deve ser  entendido como uma “disposição legal destinada a proteger interesses alheios” (art. 483º, nº 1, CC), cuja violação integra, implicitamente, o pressuposto ilicitude.
Explica o Acordão, "Na verdade, a violação desses preceitos legais não é senão uma forma ou variante da ilicitude, a par da violação dos direitos subjectivos do lesado e assim tratados no mencionado art. 483º. Depois, e quanto aos concretos requisitos de relevância da violação para efeitos de responsabilidade e indemnização já se disse que, destinando-se a proteger a segurança/integridade física dos passageiros, não podem as normas aludidas deixar de haver-se, para além de protectoras de interesses gerais e colectivos atinentes à segurança do tráfico rodoviário, como também, em especial, directa e finalisticamente tutelares da segurança dos concretos passageiros transportados fora dos assentos e, consequentemente, dos respectivo interesse pessoal de preservação da integridade física. Por isso, perante um tal escopo da norma, ocorrido um acidente mortal causalmente ligado ao transporte de passageiro fora dos assentos, por adquirido se há-de ter, também, estar-se perante um dano produzido no típico “círculo de interesses privados que a norma visa tutelar” (cfr. A. VARELA, ob. cit., 558). Assim sendo, a actuação do condutor da viatura, que não impôs o cumprimento da disposição legal, permitindo que a vítima se fizesse transportar na caixa de carga, onde não havia bancos, ao pôr a viatura em circulação de forma que o CC dela caísse pela porta que se encontrava aberta é ilícita, porque violadora dos citados preceitos estradais e do dever de cuidado (omissão do comportamento devido) que o respectivo cumprimento impunha (cfr. PESSOA JORGE, “Ensaio Sobre os Pressupostos da Responsabilidade Civil”, 67 e ss.)".
Quanto ao  requisito culpa,  o qual obriga à  formulação de um juízo de censura, concretizado numa análise de culpabilidade,  apreciado pela diligência de um bonus pater familia, em face das circunstâncias do caso (art. 487º, nº 2, CC), entendeu o Tribunal que: "Do elenco factual provado resulta que, além da predita conduta contravencional (hoje, contraordenacional), o condutor pôs a carrinha em circulação, com a vítima na caixa de carga, sem se certificar, sequer, que a porta estava fechada, sendo certo até que, de forma “temerária e irresponsável”, condutor e vítima executavam a tarefa de distribuição do pão com a porta de trás sempre aberta, aí se fazendo transportar o falecido, contra as ordens da entidade empregadora. Violador das regras de condução, a fazer presumir a culpa em concreto, e imprudente e inconsiderado, revela-se também fortemente censurável, logo culposo o comportamento de do motorista da viatura e da vítima".
Pelo que considerou,  que o acidente e o dano resultaram do concurso de atuações ilícitas e culposas de ambos os intervenientes. 
"Segundo o art. 570º, CC, quando um facto culposo do lesado tiver concorrido para a produção ou agravamento dos danos, cabe ao tribunal determinar, com base na gravidade das culpas de ambas as partes e nas consequências que delas resultaram, se a indemnização deve ser totalmente concedida, reduzida ou mesmo excluída. Daí a necessidade de graduação das culpas. Sendo ambas as condutas culposas, questiona-se se, para efeitos indemnizatórios, devem distinguir-se. Trata-se de proceder à valoração do concurso do facto “culposo” do lesado, como ação livre e consciente representativa dum «acto constitutivo de responsabilidade pessoal», da sua auto-responsabilização, confrontado com o comportamento do motorista, tudo com vista à determinação da medida da sua gravidade. Temos por certo, por um lado, que alguém que se faz transportar na caixa isotérmica duma carrinha de distribuição de pão, cuja porta de trás ia sempre aberta amarrada por um barbante, para ser mais rápida a distribuição, assume uma posição de autocolocação em perigo, mediante a assunção dos riscos próprios dessa circulação objectivamente contravencional, temerária e com especial aptidão para a produção de acidentes como o que está em apreciação. Quando tal suceda, a contribuição autodanosa do lesado, por via da assunção voluntária dum risco, traduzido no perigo típico da circulação na viatura em tais condições, parece-nos óbvia. Do outro lado, e concorrentemente, perfila-se o condutor, também criador imediato do perigo, com conhecimento da exposição voluntária do lesado ao mesmo e da possibilidade de ocorrer o facto danoso. A tudo acresce, a habitualidade dessas condutas, em cooperante tolerância (pelo menos) do condutor, como denunciado pela matéria de facto apurada, mau grado as instruções em contrário da entidade patronal dos intervenientes. Tem-se assim por adequado, perante o quadro disponível, em função da conculpabilidade e contribuição para o facto danoso, fixar a respectiva repartição e responsabilidade em metade para o condutor e outro tanto para a vítima, proporção que a indemnização reflectirá".

Factualismo:
  1.  CC faleceu em 3-06-1997, com 18 anos de idade.
  2. A responsabilidade civil emergente de acidentes de viação, relativamente ao veículo de matrícula UH-00-00, estava, em 3-06-1997, transferida para a demandada seguradora, mediante a apólice nº 90/000000.
  3. CC trabalhava para a empresa “C... & V..., Ld.ª”.
  4.  Como distribuidor de pão.
  5.  O seu trabalho consistia em sair de manhã da empresa pelas 6h00, para distribuir pão pelos clientes, até depois das 9h00.
  6.  Saía com o motorista num veículo ligeiro de carga, com caixa, pertencente à 2ª Ré.
     O CC ia atrás, na parte destinada à carga.
  7. Por vezes, o distribuidor do pão, o falecido CC, para fazer aquele serviço, deslocava-se no interior da caixa, na parte de trás, junto da mercadoria. Na caixa do veículo não havia banco, mas apenas um varão metálico onde o falecido se podia segurar.
     O veículo de matrícula UH-00-00, onde seguia o falecido, na parte dianteira, tinha um banco com três lugares, um para o motorista e dois para acompanhantes.
     Um dos lugares da frente vinha ocupado com caixas de bolos, para virem melhor acondicionados. No dia em que ocorreu o sinistro, apenas levavam pão.
     A porta da caixa do carro - que é a porta de trás - ia sempre aberta, para ser mais rápida a distribuição.  Após ter entregue o pão numa casa, o falecido CC fez-se transportar na caixa isotérmica da carrinha.
  8. Quando o falecido seguia na parte de trás da carrinha a porta ia aberta, amarrada por um barbante.  Com o andamento da carrinha, o CC tombou na estrada, vindo a sofrer, em resultado dessa queda, lesões traumáticas no crânio que foram causa directa e necessária da sua morte.
     Com a morte do CC a autora ficou em estado de choque e esteve uma semana na cama.
     O falecido ganhava cerca de 60.000$00.
  9. Era saudável e cheio de vida, como é próprio da idade.
    CC ajudava os pais, contribuindo com quantias monetárias para o sustento da família.
     A Autora é auxiliar de acção educativa numa escola e o Réu é coveiro, não possuindo outros rendimentos a não ser os do trabalho.
  10. A morte do filho privou-os de receber aquelas quantias.
  11. A Autora, nos dias de hoje, ainda sofre com a morte do filho. Após a morte do filho, a Autora ficou com a sua saúde abalada.   Desde a morte do filho, a autora passou a frequentar médicos e a tomar medicamentos. O falecido caiu do veículo pela porta que se encontrava aberta.  A entidade empregadora do falecido havia-lhe dado ordens para que circulasse sentado nos bancos da cabine, ao lado do motorista, quando procedia à distribuição do pão.  Um dos sócios da Ré interveniente proibira outros trabalhadores de seguirem na parte de trás da carrinha aquando da distribuição do pão.





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Tutoriais - Episódio 2: Responsabilidade Civil



Conceitos básicos de distinção entre os dois tipos de responsabilidade.



Tutoriais - Episódio 1: Obrigação Natural v. Civil



Breve explicação sobre a distinção entre obrigação natural e civil:




Caso prático de exame de admissão à OSAE


Após um curto namoro,  Maria e Manuel decidem viver juntos num andar, que Manuel se dispõe a comprar com o seu dinheiro.
Como Manuel ainda está casado, combina com Maria que será esta a outorgar a escritura de compra e venda, transferindo depois para ele, o respetivo direito de propriedade, logo que se encontre divorciado.
Como Manuel não dispõe da totalidade da quantia necessária para a compra do andar, pede emprestado conjuntamente com seu pai, €50.000, ficando obrigado a entregar uma prestação mensal para amortização da quantia emprestada e pagamento de juros.
Ambos  acordam que Manuel será responsável pelo pagamento do empréstimo e das despesas com a alimentação, e Maria será responsável pelo pagamento das prestações do condomínio, luz, água  e telefone.
Após 3 anos de vida em comum, o casal separa-se.
Decretado o divórcio de Manuel, e perante a recusa de Maria em transferir a propriedade do andar para ele, este propõe uma ação em que pede que fosse proferida sentença que declarasse transmitido para si o direito de propriedade sobre o referido andar.
Maria contestou a ação e pede agora que Manuel seja condenado a devolver-lhe todas as quantias que ela havia gasto com o condomínio, luz, água  e telefone. 

Quid iuris?



Proposta de resolução:

Introdução
A figura da gestão de negócios obriga ao preenchimento cumulativo dos seguintes requisitos:
-  a assunção  da direção do negócio alheio;
-  no interesse e por conta do respetivo dono;
- sem para tal haver autorização, ou seja, sem mandato, nos termos do art. 1157º, CC, exteriorizado na designada procuração, que se forense, recebe o regime do art. 43º, CPC  (arts. 464º e 468º, CC). 
Aquele que interfere no negócio denomina-se gestor, em contraposição ao seu titular, o dono do negócio (dominus).
Assim, a assunção da direção de negócio alheio impõe uma ação (que pode abranger atos jurídicos ou puros atos materiais), de acordo com a lei, a ordem pública e os bons costumes.

Desenvolvimento
 No caso, não se aplica a figura da  gestão de negócios, dado que Maria tem poderes plenos e concordância do mandatário para o ato (art. 464º, a contrario, CC). 
Maria  atua em nome próprio, no âmbito da gestão não representativa (art. 471º, 2º parte), ou seja,  intervém   como mandatária sem representação. 
Define-se mandato sem representação como aquele em que o mandatário (Maria) age em nome próprio, adquirindo os direitos e assumindo as obrigações decorrentes dos atos que celebra (art. 1189º, CC).
[Por vezes, confunde-se mandato com mandado.
Mandato corresponde a uma delegação de poderes,  em que o mandante  ordena (emitente do mandato) e o mandatário (destinatário do mandato) executa.
Mandado  refere-se  a alguém que foi  mandado (a mando),  a realizar algo, por ex.  mandado de captura].
O mandatário (Maria) é obrigado a transferir para o mandante os direitos adquiridos em execução do mandato (art. 1181º, nº 1, CC).
E o mandante (Manuel) deve assumir o negócio, através de contrato com ratificação  (art. 595º, nº 1, ex vi art. 1182º, 1ª parte, CC), as obrigações contraídas pelo mandatário (Maria) em execução do mandato.
O art. 595º, CC, deve ser interpretado à luz do caso concreto, assim, deve ler-se "a transmissão  só exonera o mandatário havendo declaração expressa do credor; de contrário, o mandatário responde solidariamente com o mandante".
A ratificação do negócio é matéria crucial dado que o mandante (Manuel), pediu emprestado conjuntamente com seu pai, €50.000 (tendo celebrado um contrato de mútuo, definido no art. 1142º, CC).
Assim, havendo ratificação, o mandante (Manuel) assume com o pai uma obrigação conjunta (não definida legalmente), respondendo cada um dos condevedores na respetiva quota parte de responsabilidade.
Não havendo ratificação, Maria (mandatária) assume com o mandante (Manuel) uma obrigação solidária (art. 595º, nº 2, 2ª parte, CC). A obrigação diz-se solidária, quando cada um dos devedores responde pela prestação integral  e esse cumprimento libera o outro (art. 512º, nº 1, 1ª parte, CC).
Essa solidariedade concerne, no entanto, a parte da dívida do mandante (Manuel).
Dado que houve uma causa justificativa (acordo entre as partes) não é aplicável a figura do enriquecimento sem causa (art. 473º), atento o seu caráter subsidiário (art. 474º). 

Conclusão
O acordo estabelecido é válido face ao princípio da liberdade contratual, previsto no art. 405º, nº 1, CC.
Pelo que, o contrato deve ser pontualmente cumprido (art. 406º, CC), transferindo-se a propriedade do andar para Manuel.



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Caso Prático sobre Direito de Preferência (Exame de Admissão OSAE)



António é proprietário de certa quinta e titular de uma servidão legal de passagem sobre uma quinta vizinha. Decidido a vender a quinta, mandou uma carta a Bento, o dono do terreno onerado, perguntando-lhe “se pretendia exercer por €100.000 o seu direito de preferência”. Carlos tinha-lhe oferecido esse valor pela quinta. 
Bento nada disse, de modo que, passados 15 dias, António a vendeu de facto a Carlos, por €100.000, declarando-se na escritura o preço de €60.000. 
Carlos pagou ainda o IMTOI e os emolumentos registais. Bento propõe uma ação contra Carlos em que exige a propriedade sobre a quinta, depositando €60.000. 
Quid iuris?

Proposta de Resolução:

Introdução
O thema decidendi corresponde ao direito de preferência.
Este direito pode assentar numa convenção estabelecida entre as partes (denominado pacto de preferência, previsto no art. 414º, CC) ou decorrer ope legis.
No caso em apreciação, trata-se de uma preferência legal (art. 1555º, CC), cuja titularidade pertence a Bento. 
[Estabelecida que está a modalidade de preferência, não mais se invoca a figura do pacto de preferência, dado ser inaplicável. A arquitetura do raciocínio jurídico a construir atenderá apenas à preferência legal]. 

Desenvolvimento
O enunciado  suscita várias questões a atender:

Quanto à comunicação
O artigo 1555º, nº 2, CC (norma meramente remissiva), remete para os arts. 416º a 418º, CC, disposições relativas ao "pacto de preferência", as quais devem ser aplicadas mutatis mutandis (dado a sua génese corresponder ao pacto).
Assim, António  ao querer vender a quinta terá que cumprir o disposto no art. 416º, nº 1, do CC, comunicando:

 a) o projeto de venda 
Apesar de a lei omitir em que consiste especificamente tal menção, é doutrina firmada que o projeto de venda deve  englobar a indicação do bem, respetivo valor e identidade do terceiro interessado na aquisição (ou seja, António não pretende apenas vender a um eventual interessado, está em vias de concluir um negócio);

b)  as cláusulas do respetivo contrato
As cláusulas contratuais correspondem  às condições essenciais do negócio, incluindo o preço, bem como, segundo entendimento jurisprudencial dominante,  à identificação do terceiro interessado (o que não ocorreu).
[Sobre esta problemática, v. Acordão STJ, nº 02A3447, 11/19/2002, http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/0899a6992590800380256d2d00438d7d?OpenDocument
9. Dos precedentes normativos resulta que o obrigado a dar preferência tem de comunicar ao titular do direito não a simples intenção de vender, mas a existência de um ajuste feito com terceiro, devendo constar dessa comunicação, sem ambiguidades ou lacunas, todos os elementos essenciais do negócio.
Para que o preferente possa exercer o seu direito de opção é indispensável, pois, que conheça os exatos termos em que o vinculado à prolação se propõe negociar com o terceiro.
Daí que a lei fale não só em projeto de venda, como também em cláusulas do respetivo contrato e em elementos essenciais da alienação.
Ora, deve entender-se que são essenciais todos os elementos ou fatores do negócio suscetíveis de influir decisivamente na formação da vontade do titular do direito de preferência, permitindo-lhe uma consciente escolha entre preferir ou abdicar do seu direito de opção. Isto é, são elementos essenciais todos aqueles cujo conhecimento é imprescindível para o titular do direito de preferência decidir se há-de, ou não, exercer o seu direito].

c) o prazo para o exercício do direito
O art. 416º, nº 2, in fine, CC, permite a estipulação de prazo para exercício do direito. Se tal não ocorreu, a lei concede como regime supletivo, o período de 8 dias (nº 2, 1ª parte).

Quanto à simulação do preço
Atendendo ao estatuído no art. 243º, do CC, a simulação do preço de venda não aproveita ao preferente, ou seja,  não é permitida a arguição da simulação contra terceiros de boa fé.

Quanto aos valores emolumentares e fiscais
O preço, a que se refere o art. 1410.º, nº 1, in fine, CC, respeita apenas ao preço em sentido estrito. Os valores emolumentares e fiscais pagos não têm de ser depositados pelo preferente, pois exorbitam a questão contratual.


Conclusão
Conclui-se que a comunicação de António é demasiado genérica e vaga, não permitindo ao interessado construir um interesse contratual positivo.
Pelo exposto, a comunicação é ineficaz, por ausência dos elementos essenciais do negócio.
[Se entendermos que a remissão para o art. 410º, nº 2, CC, implica a adoção do princípio da equiparação quanto à forma, a comunicação deveria respeitar a forma escrita, dado tratar-se de contrato de compra e venda (em sentido contrário, v. Almeida Costa, Direito das Obrigações, 12ª ed., p. 445, nota 2), pelo que a comunicação enfermaria de ineficácia, na modalidade nulidade (art. 220º, 1ª parte, CC).
Se a comunicação fosse válida, Bento deveria indicar a sua posição no prazo de oito dias, sob pena do direito de preferir caducar (art. 416º, nº 2, do CC)].
Assiste, por consequência, a Bento o recurso à ação de preferência prevista no art. 1410.º (ex vi art. 1555º, nº 3), o qual deve ser interpretado à luz do caso concreto, ou seja, lendo-o como se indicasse o "preferente a que não se dê conhecimento da venda", pode recorrer à ação de preferência,  mediante as condições aí explanadas: tempestividade da ação (dentro do prazo de 6 meses a contar do conhecimento dos elementos essenciais da alienação) e depósito do preço nos 15 dias seguintes à propositura da mesma.





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Comentário ao Ac. STJ, sobre Responsabilidade Civil



O acórdão decide sobre matéria relativa a responsabilidade civil por factos ilícitos, nos termos do art. 483º, nº 1, CC, a qual pressupõe um juízo de censura ao comportamento do agente (responsabilidade subjetiva).
Constituem pressupostos cumulativos deste tipo de responsabilidade:

- ação voluntária do agente [comportamento ativo (facere) ou omissivo (omittere) desconforme ao Direito];
- culpa (imputabilidade, dolo/negligência; não verificação das causas de exclusão da ilicitude);
- ilicitude (manifestação expressa pela desconformidade entre o comportamento devido e o executado);
- resultado (mero perigo/dano);
- nexo causal entre a ação-resultado (causalidade adequada).

O aresto considerou a gestão da infra-estrutura integrante da rede ferroviária nacional e dos respetivos sistemas de regulação e segurança, pelos meios e riscos que envolve, como perigosa para efeitos de aplicação do regime do n.º 2 do art. 493.º do CC (ponto VI).

O art. 493º, nº 2, CC, estatui que: “Quem causar danos a outrem no exercício de uma atividade, perigosa por sua própria natureza ou pela natureza dos meios utilizados, é obrigado a repará-los, exceto se mostrar que empregou todas as providências exigidas pelas circunstâncias com o fim de os prevenir”.

A derrogação prevista na segunda parte da norma não se aplica ao caso, dado que: “A Refer descurou as condições de segurança da envolvente à passagem de nível que apresentava igualmente deficiente sinalização, agindo culposamente” (ponto VII).

O DL n.º 291/2007, de 21 de agosto, aprovou o Regime do Sistema de Seguro Obrigatório de Responsabilidade Civil Automóvel, a qual procedeu à transposição da Diretiva n.º 2005/14/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11 de maio (que alterou as Diretivas n.ºs 72/166/CEE, 84/5/CEE, 88/357/CEE e 90/232/CEE, do Conselho, e a Diretiva n.º 2000/26/CE, relativas ao seguro de responsabilidade civil resultante da circulação de veículos automóveis.

Na impossibilidade de aplicação de sanção reconstitutiva, a sanção adequada é a compensatória, prevista no art. 566º, nº 1, 1ª parte, CC.
Além da indemnização por dano patrimonial, o art. 496.º, nº 1 CC, permite atender na fixação da indemnização aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito.
Na fixação do respetivo quantum, o tribunal adotou um juízo equitativo, nos termos do art. 4º, CC.



Sumário do Acordão:

I - É do conhecimento comum a perigosidade de atravessamento das linhas férreas, tanto que o aviso colocado nas passagens de nível sem guarda, como a situada no local do acidente, do “pare, escute e olhe” se tornou um dado da cultura do quotidiano, a exigir que a travessia deva ser acompanhada de especiais cautelas.II - Perante este tipo de passagem de nível, sem guarda e provida do sinal STOP bem como da Cruz de Santo André com as inscrições “Pare, Escute, Olhe”, impõe-se a qualquer condutor, antes de iniciar o atravessamento da linha férrea, um redobrado cuidado, acatando as advertências contidas na sinalização existente no local, especialmente o sinal STOP e as que se encontram escritas sob a Cruz de Santo André e que obrigam a parar, escutar e olhar.
III - Atentas as condições físicas e características do local, designadamente ao nível da visibilidade, que era inexistente até determinado momento e após estava francamente reduzida para o lado direito, atento o sentido de marcha do veículo automóvel, impendia sobre o condutor desse veículo um acrescido dever de diligência, pois que, como amplamente provado, conhecia bem o local e as suas características, sabendo, assim, da sua particular perigosidade.
IV - Ao invés de adoptar as devidas cautelas, o condutor do veículo automóvel agiu de forma manifestamente inconsiderada, quando, apesar das condições de visibilidade serem reduzidas, iniciou a travessia da linha férrea sem imobilizar, previamente, o seu veículo, efectuando essa travessia em marcha lenta, sem se aperceber da aproximação do comboio, que se encontrava a cerca de 70 metros do local quando iniciou a travessia.
V - O condutor do veículo automóvel violou frontalmente o disposto nos arts. 3.º, 54.º, n.os 3 e 4, e 67.º, n.º 3, do CEst (DL n.º 114/94, de 03-05, com as alterações entretanto sofridas até à Lei n.º 78/09, de 13-08), bem como no art. 3.º do Regulamento das Passagens de Nível, aprovado pelo DL n.º 568/99, de 23-12.
VI - A gestão da infra-estrutura integrante da rede ferroviária nacional e dos respectivos sistemas de regulação e segurança, pelos meios e riscos que envolve, deve ser considerada perigosa para efeitos de aplicação do regime do n.º 2 do art. 493.º do CC.
VII - A Refer descurou as condições de segurança da envolvente à passagem de nível que apresentava igualmente deficiente sinalização, agindo culposamente e, nessa medida, terá de ser corresponsabilizada também pelos danos derivados do acidente (art. 570.º, n.º 1, do CC).
VIII - Os critérios e valores constantes da Portaria n.º 377/2008, de 26-05, com as alterações introduzidas pela Portaria n.º 679/2009, de 25-06, não são vinculantes para os Tribunais nem visam a fixação definitiva dos valores indemnizatórios devidos.
IX - A reparação do dano morte é hoje inquestionável na jurisprudência, situando-se, em regra e com algumas oscilações, entre os € 50 000 e € 80 000, indo mesmo alguns dos mais recentes arestos a € 100 000.
X - Não se questionando a indemnizibilidade dos danos sofridos pelos autores (dano morte, danos não patrimoniais e dano patrimonial futuro), mas apenas o seu quantum, a cuja fixação presidiu juízo equitativo (arts. 496.º, n.º 3, e 566.º, n.º 3, do CC), não cabe ao STJ, por não envolver a resolução de uma questão de direito, sindicar os valores exactos dos montantes indemnizatórios concretamente arbitrados.
XI - A sua apreciação cingir-se-á ao controle dos pressupostos normativos do recurso à equidade e dos limites dentro dos quais deve situar-se o juízo equitativo, nomeadamente os princípios da proporcionalidade e da igualdade conducentes à razoabilidade do valor encontrado.





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Os Direitos de Personalidade Consagrados no Código do Trabalho






Este trabalho resulta de 20 anos de convivência com o verdadeiro homo laboriense, ou homo faber, a que alude Hanna Arendt, em a “Condição Humana”.
Tal pode gerar uma interpretação polémica da forma como pensamos o direito do trabalho. Como trabalho pessoal e de reflexão será sempre criticável, no entanto, é nossa pretensão que a presente Tese se apresente cientificamente correta mas não excessivamente neutra.
Esperamos que tal ensejo seja academicamente desculpável.