Aula sobre Fiança


Noção
Pela fiança, um terceiro (fiador) assegura, através do seu património, o cumprimento da obrigação do devedor (afiançado), ficando pessoalmente obrigado perante o respetivo credor (art. 627º, nº 1, CC).
O garante pode, no entanto, nos termos do art. 602º, CC, limitar a sua responsabilidade a alguns dos seus bens.

Proximidade com o aval
Também o aval garante o cumprimento da obrigação, sendo recorrente nos títulos cambiários. O avalista garante o cumprimento da obrigação cambiária subscrita pelo avalizado.
Nos termos do art. 32º, LULL, o “dador de aval é responsável da mesma maneira que a pessoa por ele afiançada. A sua obrigação mantém-se, mesmo no caso de a obrigação que ele garantiu ser nula por qualquer razão que não seja um vício de forma”.
Resulta deste preceito que a obrigação do avalista é paralela à obrigação que recai sobre o avalizado e não propriamente uma obrigação subsidiária. Corolário desta interpretação é a impossibilidade do avalista gozar do benefício da prévia excussão.

Características:
Natureza acessória (art. 627º, nº 2, CC).
Após a constituição da obrigação principal (credor-devedor), a garanti-la, surge a obrigação acessória (credor-fiador).
A obrigação que o fiador assume é acessória da que recai sobre o obrigado principal, dado que aquele apenas garante que a obrigação (afiançada) do devedor será satisfeita.

Manifestações da acessoriedade
- Quanto à forma
A declaração de fiança necessita de revestir a forma exigida para a obrigação principal (art. 628º, nº 1, CC), não vigorando o princípio da liberdade da form(previsto no art. 219º, CC). 
“Mas a lei não se limita a este princípio de equiparação formal entre as duas obrigações: a do devedor, de um lado, e a do fiador, do outro.
Exige ainda que a declaração da vontade de prestar fiança seja expressa. A vontade de cobrir a obrigação do vendedor, obrigando-se perante o credor a realizar a mesma prestação, tem que resultar diretamente da declaração do fiador, e não através de deduções, inferências ou presunções, embora para esse efeito não haja fórmulas precisas ou sacramentais”, explica ANTUNES VARELA, Das Obrigações em geral, II, 7ª ed., p. 482.

- Quanto ao conteúdo da obrigação
Expressão dessa acessoriedade está traduzida no art. 631º, CC, o qual indica que a fiança não pode exceder a dívida principal, nem ser contraída em condições mais onerosas. Se exceder ou for contraída em condições mais onerosas é redutível nos precisos termos da dívida afiançada (nº 2).

- Quanto à validade
Existe uma relação de dependência entre as duas relações, pois a fiança só é válida se o for a obrigação principal (art. 632º, nº 1, CC).

- Quanto à natureza
A natureza (comercial ou civil) da fiança dependerá do caráter da obrigação principal.

- Quanto à extinção
O art. 651º, CC, determina que a extinção da obrigação principal determina a extinção da fiança.

Natureza subsidiária
A subsidiariedade da fiança concretiza-se no chamado benefício da (prévia) excussão, que consiste “no direito que pertence ao fiador de recusar o cumprimento enquanto não estiverem excutidos todos os bens do devedor principal; e, inclusive, depois dessa excussão, se provar que o crédito não foi satisfeito por culpa do credor (art. 638º, nºs 1 e 2)”, ensina ALMEIDA COSTA, Direito das Obrigações,  12ª ed., p. 895. A lei não distingue entre bens de fácil ou de difícil execução. “O benefício incide sobre a execução e não sobre a demanda”, explica ANTUNES VARELA, op. cit., p. 655.
Mas o fiador pode ser demandado a cumprir antes mesmo do devedor principal, nos termos dos arts. 640 e 641º, CC.


Relações entre o credor e o fiador
O credor pode exigir a realização da prestação devida a terceiro (fiador), caso o devedor principal (afiançado) não a tenha cumprido (art. 634º, CC).
No entanto, atenta a natureza subsidiária da fiança, ao fiador é lícito recusar o cumprimento da obrigação enquanto o credor não tiver excutido todos os bens do devedor (art. 638º, nº 1, CC). Ou seja, o benefício da excussão permite ao fiador exigir ao credor o (prévio) esgotamento dos bens do devedor, antes dele (fiador) responder com o seu património.
O fiador pode opor-se à execução dos respetivos bens (penhoráveis) que integram o seu património, enquanto se não tiverem esgotados todos os bens do devedor, não estando o direito do credor total ou parcialmente satisfeito.
É, ainda, lícita a recusa do cumprimento por parte do fiador, não obstante a excussão de todos os bens do devedor, se o fiador provar que o crédito não foi satisfeito por culpa do credor, por  ex., não ter interpelado o devedor aquando do vencimento da obrigação (art. 638º, nº 2, CC).
Havendo garantias reais constituídas por terceiro, contemporânea ou anterior à fiança, o fiador tem o direito de exigir a execução prévia das coisas sobre que recai a garantia real (art. 639º, nº 1, CC), respondendo, apenas, pelo saldo negativo de tais garantias.
Se as garantias reais forem posteriores à fiança, já não assiste ao fiador o benefício da prévia excussão.
 O credor pode, no entanto, demandar, querendo, o devedor e o fiador, ainda que este goze do benefício da excussão, de acordo com o estatuído no art. 641º, nº 1, CC.
Atendendo a que a subsidiariedade não é um requisito essencial da fiança, há casos em que o fiador não goza do benefício da excussão. Assim acontece quando renuncia a esse benefício, nomeadamente por ter assumido a posição do principal pagador (art. 640º, al. a), CC) ou quando o devedor ou o dono dos bens onerados com garantia (real) não poder ser demandado ou executado no território continental ou das ilhas adjacentes por facto posterior à constituição da fiança (al. b)).

Relações entre o devedor e o fiador
O fiador que cumpre a obrigação fica legalmente sub-rogado (art. 895º, CC) na posição de credor (art. 644º, CC). Mais do que um mero direito de regresso, há uma efetiva transmissão do crédito a favor do fiador.
A transmissão do crédito manifesta-se no facto de não só se transmitir o crédito principal, como todos os atributos deste. Assim, “se o credor tinha direito a juros, ao cálculo de juros a certa taxa, a qualquer privilégio ou cláusula penal, todos esses atributos acompanham a sub-rogação operada a favor do fiador solvens”, resume ANTUNES VARELA, op. cit., p. 498.
Ainda, adquire o fiador todos os direitos reais de garantia que acompanhavam o crédito.
Os arts. 645º, nº 1 e 646º, CC, impõem a quem cumpre um dever acessório de conduta relativo ao aviso de cumprimento.
O fiador pode exigir a sua liberação ou a prestação de caução para garantia do seu direito eventual contra o devedor, nos seguintes casos:
- se o credor obtiver contra o fiador sentença exequível (art. 648º, al. a), CC);
- se os riscos da fiança se agravarem sensivelmente (art. 648º, al. b), CC);
“Pode não ter havido diminuição de fortuna (diminuição do ativo patrimonial) do devedor e terem-se agravado os riscos da fiança, por virtude de qualquer falta cometida pelo devedor no âmbito da relação obrigacional”, explana ANTUNES VARELA, op. cit., p. 498.
- se após a assunção da fiança, o devedor se houver colocado em condições de não poder ser demandado  ou executado no território continental ou das ilhas adjacentes (art. 648º, al. c), CC);
- se o devedor se houver comprometido a desonerar o fiador dentro de certo prazo ou verificado certo evento e já tiver decorrido o prazo ou se tiver verificado o evento previsto (art. 648º, al. d), CC);
- se houverem decorridos cinco anos, não tendo a obrigação principal um termo (art. 648º, al. e), CC).

Meios de defesa oponíveis ao credor pelo fiador

Quanto aos meios de defesa próprios
São meios de defesa próprios do fiador todos os que dizem respeito à obrigação acessória, sendo esta composta pelo negócio jurídico constitutivo da fiança. Assim, ao fiador aproveita, entre outros, a nulidade da fiança, a prescrição, o benefício de excussão (art. 637º, nº 1, 1ª parte, CC).
A lei ressalva os meios de defesa incompatíveis com a obrigação do fiador, como por ex., a falta ou vícios de vontade do afiançado, os quais apenas atingem a relação constituição entre este e o credor.

Além dos meios de defesa próprios, o fiador tem o direito de opor ao credor aqueles que competem ao devedor (2ª parte), ou seja, aqueles que dizem respeito à obrigação principal, ou seja, a constitutiva da relação jurídica entre o devedor e o credor (como a prescrição e a nulidade da obrigação).
 “O negócio constitutivo da fiança pode sofrer de qualquer dos vícios próprios dos contratos (incapacidade das partes, falta de forma, simulação, erro, dolo, coação, etc.). O fiador pode ser credor do titular do crédito afiançado e haver lugar à compensação, o credor pode estar muitos anos sem exigir o cumprimento da obrigação (acessória) do fiador, etc.”, diz ANTUNES VARELA, op. cit., p. 493.

Quanto aos meios de defesa do devedor
Os meios de defesa do devedor, conforme já indicado, reportam-se à relação constituída entre devedor e credor. Assim“se a obrigação principal é nula ou vem a ser anulada, porque nulo ou anulável é o negócio jurídico donde a obrigação nasceu; se a obrigação se extingue porque prescreveu ou porque foi cumprida, porque houve dação em cumprimento, todas estas objeções ou exceções aproveitam, em princípio, ao fiador, cumprindo apenas salientar que, no caso de mera anulabilidade da obrigação, é ao devedor – e não ao fiador – que cabe fazer a opção pessoal (entre a convalidação, a confirmação ou a anulação) facultada por lei”, explica ANTUNES VARELA, op. cit., p. 493.
Ainda, o art. 642º, nº 1, CC, refere a compensabilidade de créditos entre devedor e credor.

Caso julgado

Entre credor e devedor
O caso julgado entre credor e devedor não é oponível ao fiador (art. 635º, nº 1, CC), pois este não interveio na ação, pelo que não teve oportunidade de se defender contra a pretensão do credor, outra solução permitiria fáceis conluios entre as partes. Mas o fiador pode invocar o caso julgado em seu benefício, “porque, sendo desfavorável ao credor, não há o perigo de conluio entre as partes nem o de negligência do devedor na condução da sua defesa” explica avisadamente ANTUNES VARELA, op. cit., p. 493. Salvo se respeitar a circunstâncias pessoais do devedor que não excluam a responsabilidade do fiador (2ª parte), por ex. se a obrigação principal foi assumida por um incapaz que invocou a sua incapacidade, o caso julgado não aproveita ao credor (art. 632º, nº 2, CC).

Entre credor e fiador
O caso julgado entre credor e fiador aproveita ao devedor, desde que respeite à obrigação principal (nº 2). Porém,  o caso julgado  desfavorável ao devedor não pode ser imposto a este, dado que não interveio na lide, não tendo tido oportunidade de se defender.




Prescrição

A interrupção, suspensão e renúncia à prescrição demonstram a relativa autonomia e  independência entre a obrigação principal e a acessória.
A interrupção, a suspensão e a renúncia da prescrição não produzem efeito contra o fiador (art. 636º, CC).

No entanto, se o credor interromper a prescrição contra o devedor e der conhecimento ao fiador, a prescrição já se interrompe quanto a este (art. 636º, nº 1, 2ª parte, CC).



Pluralidade de fiadores

Fiadores isolados (Fiança isolada)
Considera-se fiança isolada aquela que é assumida por um fiador sem comparticipação ou acordo dos demais.
Se vários fiadores tiverem, isoladamente, afiançado o devedor, cada um responde pela satisfação integral da dívida, exceto se foi convencionado o benefício da divisão (art. 649º, nº 1, CC).
O fiador que tiver cumprido a obrigação, fica, posteriormente, sub-rogado nos direitos do credor contra o devedor e contra os outros cofiadores, por aplicação das regras das obrigações solidárias (art. 650º, nº 1, CC).

Fiadores conjuntos (Fiança conjunta)
Considera-se fiança conjunta aquela que é assumida por um fiador conjuntamente com os demais, no âmbito de uma relação negocial.

Se vários fiadores se tiverem obrigado conjuntamente, cada um dos fiadores responde na devida proporção (e não integralmente), podendo, ainda, invocar o benefício da divisão (art. 649º, nº 2, CC). O fiador que tiver cumprido a obrigação possui o direito de reclamar dos outros as quotas deles, ainda que o devedor não esteja insolvente (art. 650º, nº 2, CC).


Extinção da fiança
O art. 651º, CC, expressa o princípio da acessoriedade: extinta a obrigação principal, é extinta a fiança.
Ocorre a caducidade da fiança, se o credor, em obrigação principal a prazo, não procede contra o devedor dentro do prazo de dois meses a contar do vencimento (art. 652º, nº 1, CC).
Igualmente ocorre a caducidade da fiança na obrigação pura, desde que o fiador, não privado do benefício da excussão, exija do credor a interpelação do devedor, e haja decorrido mais de um ano sobre a data da assunção da fiança (nº 2).
Ainda há a extinção da fiança, pela circunstância de, por facto imputável ao credor, o fiador não poder ficar sub-rogado nos direitos que lhe assistem (art. 653º, CC).



A liberalização da atividade de guia-intérprete



O guia-intérprete acompanha o turista em viagens e visitas a locais de interesse turístico e patrimonial (museus, palácios, monumentos nacionais), prestando diversas informações, quer sejam de interesse histórico e cultural (costumes locais, apontamentos históricos, descrição de monumentos, etc.), quer de caráter geral (horários de transportes, locais de câmbios, restauração). Estes guias podem ser regionais ou nacionais, consoante a sua atividade seja exercida exclusivamente numa região ou abranja todo o território nacional.

O Decreto-Lei n.º 37/2015, de 10 de março, que aprovou o novo Regime de Acesso e Exercício de Profissões e de Atividades Profissionais, revogando o Decreto-Lei nº 92/2011, de 27 de julho (antigo regime jurídico do Sistema de Regulação de Acesso a Profissões), indica no preâmbulo que se pretende “assegurar a simplificação e a eliminação de barreiras injustificadas", sendo aplicável a qualquer profissão, com exceção das profissões reguladas por associação pública profissional, as quais se regem pela Lei n.º 2/2013, de 10 de janeiro, das profissões desenvolvidas no exercício de poderes públicos concedidos por lei e das profissões associadas a vínculo de emprego público, atendendo ao seu especial enquadramento constitucional.

Sendo possível distinguir entre profissões de acesso livre (aquelas cujo acesso não depende da verificação de requisitos profissionais, nomeadamente qualificações profissionais), profissões regulamentadas (aquelas que estão sujeitas à verificação de requisitos profissionais de acesso e de exercício) e profissões reguladas (aquelas cuja regulação se insere nas atribuições de associações públicas profissionais), justifica-se, desde logo, clarificar em que situações o acesso e exercício de profissão e de atividade profissional pode ser condicionado. Assim indica-se no artigo 5.º (Princípios estruturantes) que:

1 - O acesso às profissões ou atividades profissionais deve ser livre.
2 - As atividades profissionais associadas a determinada profissão só lhe estão reservadas quando tal resulte expressamente da lei.
3 - Os requisitos profissionais devem ser avaliados periodicamente para assegurar a eliminação das barreiras injustificadas, desadequadas ou desnecessárias ao acesso e exercício de determinada profissão ou atividade profissional.

Extinguindo-se, ainda, a Comissão de Regulação do Acesso a Profissões, sendo o respetivo arquivo transferido para a DGERT (art. 17º).

Assim, liberalizou-se a atividade de guia-intérprete, retirando-a da área exclusivamente regulada pelo SNATTI (Sindicato Nacional de Atividade Turística, Tradutores e Intérpretes).



Aula sobre os whistleblowers




I – Se o trabalhador tem um dever de zelo dos bens que lhe são confiados pelo empregador para execução do seu trabalho, evidentemente tem o dever de não agir deliberada e voluntária em termos de provocar danos nesses bens.
II – É de considerar que comete um ilícito disciplinar, violando os seus deveres de zelo e diligência, da conservação dos bens do empregador afetados ao trabalho e até de cooperação e lealdade, um trabalhador que tem conhecimento da prática de atos danosos repetidos sobre bens do empregador por parte de outro, ou outros, que integravam a mesma equipa de trabalho, de forma repetida, num quadro que revela o seu acordo, ao menos tácito, sem que se evidencie qualquer demarcação ou conduta para inibir o ato danoso.
III – A inutilização reiterada, durante vários meses, do sistema GPS do veículo utilizado por uma equipa de trabalhadores para o exercício das suas funções, em coautoria, de modo a causar prejuízos patrimoniais ao empregador com a sua reparação e a impedir o empregador de, durante vários meses, controlar em tempo real a localização da viatura, revela uma atitude de desafio e hostilidade para com o empregador suficiente para tornar impossível a subsistência da relação laboral de cada um desses trabalhadores.

(Ac.  RC, de 22 de setembro de 2016, CJ, nº 273, Ano XLI, Tomo IV/2016, p. 54)



Comentário:
Interessante observar que o  whistleblower que denuncia o empregador é sacrificado.
E, o whistleblower  que nomeia os seus,  inter  pares, é agraciado.
Por ora, nada mais há a dizer.