Contrato para pessoa a nomear - Guia prático de Direito das Obrigações




                       Contrato para pessoa a nomear

             [Guia prático de Direito das Obrigações - no prelo]

Ao celebrar o contrato, pode uma das partes reservar o direito de nomear um terceiro que adquira os direitos e assuma as obrigações provenientes desse contrato (art. 452º, nº 1, CC).
A reserva de nomeação não é possível, no entanto, nos casos em que não é admitida a representação ou é indispensável a determinação dos contraentes (nº 2), assim, é de afastar nos negócios familiares e intuitu personae em geral
Este tipo de contrato tem grande utilidade prática quando alguém não quer assumir o negócio por questões de confidencialidade ou não sabe ainda se quer o negócio para si ou cedê-lo a outrem, assim é celebrado com a cláusula pro amico eligendo (ou pro amico electo).
O contrato para pessoa a nomear “é um tipo negocial distinto do negócio celebrado por meio de representante, do contrato a favor de terceiro, da gestão de negócios e do mandato sem representação, embora tenha algumas afinidades com estas figuras jurídicas.
O negócio celebrado por meio de representante produz imediatamente os seus efeitos na esfera jurídica do representado, ao passo que o contrato para pessoa a nomear começa por produzir os seus efeitos em relação ao interveniente do negócio, e apenas pode vir a produzi-los na esfera jurídica de um terceiro que não figura no ato como representado.
No contrato a favor de terceiro, nem o promitente nem o promissário deixam se ser os únicos contraentes, mesmo após a adesão do terceiro, não tendo este a categoria de contraente, enquanto no contrato para pessoa a nomear, uma vez efetuada e aceita a nomeação, um dos intervenientes no contrato perde a qualidade de contraente e o terceiro nomeado ao abrigo da cláusula especial passa a figurar como contraente desde a celebração do contrato.
A gestão de negócios, além de poder exprimir-se em puros atos materiais e em atos jurídicos que não sejam contratos, envolve a intervenção da pessoa (gestor) em negócios que são e continuam a ser alheios; o contrato para pessoa a nomear começa por pertencer ao interveniente e pode vir a consolidar-se definitivamente na sua titularidade.
No mandato sem representação, o mandatário não deixa de ser contraente em face dos terceiros com quem negociou, mesmo depois de transferir para o mandante os direitos adquiridos em execução do mandato; ao passo que, no contrato para pessoa a nomear, uma vez efetuada a nomeação, os efeitos do negócio encabeçam-se retroativamente na titularidade da pessoa nomeada”.[1]
Admite-se, portanto, que, ao celebrar um contrato o adquirente seja a nomear ou a designar.
Na falta de convenção, a nomeação ocorre nos cinco dias posteriores à celebração do negócio (art. 453º, nº 1, 2ª parte, CC)
A declaração de nomeação deve ser acompanhada, sob pena de ineficácia, do instrumento de ratificação do contrato ou de procuração anterior à celebração deste (nº 2).
O nomeado deve ratificar, através de documento escrito, a nomeação (art. 454º, CC), para que se verifique a produção de efeitos prevista no art. 455º, nº 1, CC). Se o negócio for celebrado por outra forma, a ratificação necessita de revestir igual forma (art. 454, nº 2, CC).





[1] Como bem explicam PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA, Código Civil Anotado, pp. 433 e 434.

Contrato a favor de terceiro - Guia Prático de Direito das Obrigações



                       Contrato a favor de terceiro 

                   [Guia Prático de Direito das Obrigações - no prelo]

No contrato a favor de terceiro uma das partes (promitente) assume perante outra (promissário) a obrigação de efetuar uma prestação a favor de terceiro (destinatário ou beneficiário).
“Exige-se que o promitente e o promissário atuem com intenção de o contrato produzir os efeitos de uma atribuição imediata, e não apenas reflexa, ao terceiro. Além disso, o promissário deve ter na promessa um interesse digno de proteção jurídica, de natureza patrimonial ou não patrimonial (art. 443º, nº 1, CC)”[1].
Este tipo de contrato visou, primeiramente, disciplinar o seguro a favor de terceiro (mais propriamente o seguro de vida).
O contrato a favor de terceiros não se confunde com o contrato realizado por meio de representante, com o contrato realizados em nome próprio, mas por conta de outrem ou com o contrato de prestação de terceiro.
Quanto ao contrato realizado por meio de representante “a pessoa que, no instituto da representação, fica fora das operações contratuais (o representado) é o verdadeiro contraente; no contrato a favor de terceiro, os contraentes são os intervenientes no negócio (nada impedindo que um deles ou ambos se façam representar na celebração dele), enquanto o terceiro, permanecendo fora do contrato, é apenas o titular do principal direito ou da atribuição patrimonial que dele nasce. No seguro de vida em benefício de terceiro, por exemplo, o beneficiário não é contraente, nem é responsável pelo pagamento dos prémios, nem goza de qualquer outro direito, emergente do contrato, que não seja o de receber o seguro”[2].
No contrato realizados em nome próprio, mas por conta de outrem (representação indireta ou mandato sem representação), “nenhum direito nasce diretamente do contrato para terceiro; só numa fase ulterior, em cumprimento da relação de mandato, o mandante tem o direito de exigir do mandatário (e não do outro interveniente no contrato) a transmissão dos direitos e obrigações que advieram deste (cfr. o art. 1181º), mas nessa altura assume toda a posição do contraente (e não apenas a titularidades de um direito derivado do contrato). No contrato a favor de terceiro, o direito do beneficiário resulta imediatamente do contrato, pois o promitente fica vinculado perante ele à prestação”[3].
No contrato de prestação de terceiro, o terceiro “não é beneficiário do contrato, mas autor da prestação que um dos contraentes promete ao outro”[4].




[1] Nas palavras de ALMEIDA COSTA, Direito das Obrigações, 12ª ed., p. 350, o qual o define como ”aquele em que um dos contraentes (promitente) se compromete perante o outro (promissário ou estipulante) a atribuir certa vantagem a uma pessoa estranha ao negócio (destinatário ou beneficiário) ”. Para LEITE CAMPOS, trata-se de um contrato por meio do qual “é atribuído um benefício a um terceiro, a ele estranho, que adquire um direito próprio a essa vantagem”, Contrato a favor de terceiro, Almedina, 2009, p. 7
[2] PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA, Código Civil Anotado, p. 424.
[3] PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA, op. cit., p. 425.
[4] PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA, loc. cit..  LEITE CAMPOS explica que a “A nossa lei (art. 443º, nº 2, do Código Civil) admite os contratos a favor de terceiros com  eficácia obrigacional (A obriga-se para com B a entregar cinquenta contos a C), liberatórios (A e B contratam a remissão de uma dívida e que este era credor a C) e com eficácia real (A e B convencionam a constituição de uma servidão sobre uma propriedade de B a favor de C)”, op. cit., p. 8.
[5] Como bem explicam PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA, op. cit., pp. 433 e 434.

Aula sobre hipoteca



Noção
A hipoteca é um direito acessório da obrigação (futura ou condicional) a que serve de garantia, conferindo ao credor o direito de ser pago pelo valor de certos bens imóveis, ou equiparados (art. 688º, al. f), CC), pertencentes ao devedor ou a terceiro, com preferência sobre os demais credores que não gozem de privilégio especial ou de prioridade de registo (art. 686º, CC), desde que registada (art. 687º, CC). 
Além do direito de preferência, o credor hipotecário goza do direito de sequela, característico dos direitos reais. 
A obrigatoriedade do registo permite que o credor que primeiramente proceda ao registo fique garantido face àqueles que registem a hipoteca posteriormente. A lei considera que a hipoteca não registada sofre de ineficácia, mesmo em relação às partes (art. 687º, CC). Essa ineficácia “não corresponde à inexistência ou nulidade da hipoteca. Esta é válida e pode a todo o tempo ser registada”, esclarece Antunes Varela, Código Civil Anotado, p. 706

Objeto 
São hipotecáveis os prédios rústicos e urbanos (art. 688º, nº 1, al. a), CC), definidos no art. 204º, nº 2, CC. 
“Estes prédios podem ser hipotecados em toda a sua extensão, ou seja, com os limites fixados pelo artigo 1344º e podem ser hipotecados apenas em parte, ou apenas os elementos suscetíveis de propriedade autónoma , isto é, suscetíveis de alienação em separado dos restantes elementos, nos termos do nº 2 deste mesmo artigo”,Antunes Varela, Código Civil Anotado, p. 707.
E, por extensão, são igualmente hipotecáveis as árvores, os arbustos e os frutos naturais (enquanto estiverem ligados ao solo), os direitos inerentes aos imóveis e as partes integrantes dos prédios rústicos e urbanos (art. 204º, nº 1, als. c) a e) ex vi art. 691º, nº 1, al. a), do CC), as acessões naturais e as benfeitorias, salvo o direito de terceiros (art. 691º, nº 1, als. b) e c), CC). 
Já as partes componentes (art. 204º, nº 3, CC) não podem ser hipotecadas dada a sua natureza de coisa móvel (como o painel solar, as telhas, as janelas). 
Assim igualmente hipotecáveis são o direito de superfície (art. 688º, nº 1, c)); o direito resultante de concessão em bens do domínio público (al. d)); o usufruto (al. e)) e as coisas móveis que a lei, para o efeito da constituição da garantia hipotecária, equipara aos imóveis, como os navios, automóveis e aeronaves (al. f)) . 
Os bens comuns também são hipotecáveis (art. 689º, nº 1, CC), sem prejudicar o direito dos consortes requererem ou procederem à divisão da coisa. 
Na hipótese de a divisão da coisa ou direito comum ser feita com o consentimento do credor, a hipoteca é limitada à parte atribuída ao devedor (nº 2). 
Na hipótese de a divisão da coisa ou direito comum ser feita sem o consentimento do credor, e na ausência de previsão legal, entende-se que o direito hipotecário não é atingido, continuando a incidir sobre a quota ideal da coisa. 
Já não é hipotecável a meação dos bens comuns do casal nem tão pouco a quota da herança indivisa (art. 690º, CC). Quanto à meação dos bens comuns do casal, face ao propósito da sociedade conjugal, não permite a lei que metade dos bens comuns fique em poder de um terceiro. Quanto à quota da herança indivisa, entre outros motivos, a necessidade de serem determinadas as coisas hipotecadas (art. 686º, CC) impede a hipoteca. 
A hipoteca assegura os acessórios do crédito que constem do registo (art. 693º, nº 1), como os juros, as despesas de constituição da hipoteca e do registo desta. 

Princípios gerais 
A proibição do pacto comissório
É nula a convenção pela qual o credor fará sua a coisa onerada no caso de o devedor não cumprir (art. 694º, CC). Quer quanto aos pactos comissórios reais (pelos quais a coisa se transfere para o credor pelo não cumprimento da obrigação garantida), quer os pactos comissórios obrigacionais (que permitiriam ao credor o direito de créditos quanto às transmissões). 
A nulidade do pacto comissório não implica a nulidade de todo o negócio, aplicando-se o regime do art. 292º, CC, sobre redução dos negócios jurídicos. 

A inalienabilidade dos bens hipotecados 
É nula a convenção que proíba o dono de alienar ou onerar os bens hipotecados (art. 695º, 1ª parte), pois é de recear uma atitude usurária por parte do credor, “agravada, no caso de inalienabilidade dos bens hipotecados, com uma capitis deminutio do devedor, aliás injustificável, já que, com a alienação ou oneração da coisa, em nada são prejudicados os direitos do credor, dados os direitos de sequela e de prioridade que lhe são atribuídos” (Antunes Varela, Código Civil Anotado,  p. 718). 

A indivisibilidade ou solidariedade da hipoteca 
Salvo convenção em contrário, a hipoteca é indivisível, subsistindo por inteiro, até integral satisfação do crédito, sobre cada uma das coisas oneradas e sobre cada uma das partes que as constituam, ainda que a coisa ou o crédito seja dividido ou este se encontre parcialmente satisfeito. (art. 696º, CC). 
 Assim, “se a hipoteca recair sobre dois ou mais prédios, homogéneos, a garantia recai por inteiro sobre cada um deles e não apenas parcelarmente, ou fragmentariamente, e na proporção ao valor de cada um deles. (…) Por outro lado, se o crédito garantido se fracionar, v.g., mercê da sua cesaão parcial a um ou mais cessionários, qualquer dos credores gozar do poder de executar o seu crédito, por inteiro, sobre o imóvel ou imóveis onerados”, elucida Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, Almedina, vol. II, 6ª ed., p. 549.

Substituição ou reforço da hipoteca 
Quando, por causa não imputável ao credor, a coisa hipotecada perecer ou a hipoteca se tornar insuficiente para segurança da obrigação, tem o credor o direito de exigir que o devedor a substitua ou reforce; pelo que caso o devedor não a substitua ou reforce, nos termos declarados na lei de processo, pode o credor exigir o imediato cumprimento da obrigação ou, tratando-se de obrigação futura, registar hipoteca sobre outros bens do devedor (art. 701º, nº 1, CC). “Praticamente (…), salvo por vontade do credor, a disposição deste artigo 701º é apenas aplicável no caso de a perda ou diminuição serem devidas a caso fortuito, sem culpa do credor ou do devedor”, Antunes Varela, Código Civil Anotado,  p. 724.
 No caso de a hipoteca ter sido constituída por terceiro, se a diminuição da garantia for devida a culpa sua (terceiro), o credor tem o direito de exigir ao terceiro (e não ao devedor) a substituição ou o reforço da hipoteca, ficando o mesmo sujeito à cominação do nº 1 (nº 2). 
Além de poder dispor do preceituado no art. 780º, nº 2, 1ª parte, CC, exigindo o cumprimento imediato da obrigação.

Seguro 
Quando o devedor se comprometa a segurar a coisa hipotecada e não a segure no prazo devido ou deixe rescindir o contrato por falta de pagamento dos respectivos prémios, tem o credor a faculdade de segura-la à custa do devedor, embora o não possa fazer por um valor excessivo, sob pena de o devedor exigir a redução contratual (art. 702º, nº 1). 
Em lugar do seguro, pode o credor reclamar, o imediato cumprimento da obrigação (nº 2). 

Espécies de hipotecas 
As hipotecas são legais, judiciais ou voluntárias (art. 703º, CC). 

Hipotecas legais 
As hipotecas legais resultam imediatamente da lei, sem dependência da vontade das partes, e podem constituir-se desde que exista a obrigação a que servem de segurança (art. 794º, CC). Apesar de resultar da lei, a hipoteca não opera ope legis, carece de ser constituída e registada (art. 687º, CC). 
O legislador quis proteger determinados credores, como explica VAZ SERRA, “que não poderiam obter o consentimento do devedor para uma hipoteca convencional ou só o poderiam obter com dificuldade ou sacrificando a natural delicadeza existente nas relações entre credor e devedor”, citado por Antunes Varela, Código Civil Anotado,  p. 726.
Os credores com hipoteca legal são os constantes do art. 705º, CC. 
Assim, estão contemplados: 
- O Estado e das autarquias locais, sobre os bens cujos rendimentos estão sujeitos ao IMI, para garantia do pagamento desta contribuição (al. a)); 
 - O Estado e as demais pessoas coletivas públicas, sobre os bens dos encarregados da gestão de fundos públicos, para garantia do cumprimento das obrigações por que se tornem responsáveis (al. b)); 
- O menor, o interdito e o inabilitado, sobre os bens do tutor, curador e administrador legal, para assegurar a responsabilidade que nestas qualidades vierem a assumir (al. c)). Quanto aos inabilitados, em princípio, os respetivos curadores não possuem a administração do seu património, e não podem, em consequência, assumir qualquer espécie de responsabilidade. A lei reporta-se apenas ao caso excecional previsto no art. 154º, CC. É de aplicar, neste caso, o previsto no art. 706º, nº 1 CC. A determinação do valor da hipoteca estabelecida a favor do menor, interdito ou inabilitado, para efeito do registo, e a designação dos bens sobre que há-de ser registada cabem ao conselho de família. 
 - O credor por alimentos (al. d)), quer por força da lei (art. 2009º, CC), quer por negócio jurídico (art. 2014º, CC). 
- O coherdeiro, sobre os bens adjudicados ao devedor de tornas, para garantir o pagamento destas (al. e)), tendo o credor o direito de reforçar a hipoteca se a garantia puder continuar a incidir sobre os bens aí especificados (art. 709º, CC); 
 - O legatário de dinheiro ou outra coisa fungível (art. 207º, CC), sobre os bens sujeitos ao encargo do legado ou, na sua falta, sobre os bens que os herdeiros responsáveis houveram do testador (al. f)); tendo o credor o direito de reforçar a hipoteca se a garantia puder continuar a incidir sobre os bens aí especificados (art. 709º, CC). 

Substituição da hipoteca 
O tribunal pode autorizar, a requerimento do devedor, a substituição da hipoteca legal por outra caução (art. 707º, nº 1, CC). Assim como no caso do devedor não possuir bens suscetíveis de hipoteca, suficientes para garantir o crédito, pode o credor exigir outra caução (nos termos do artigo 625.º), salvo nos casos das hipotecas destinadas a garantir o pagamento das tornas ou do legado de dinheiro ou outra coisa fungível (nº 2). 

Objeto 
A hipoteca legal pode assumir o tipo de hipoteca geral, sem prejuízo do direito de redução (art. 708º, CC). 


Hipotecas judiciais 
As hipotecas judiciais nascem da sentença condenatória (mesmo não transitada em julgado) do devedor à realização de uma prestação em dinheiro ou outra coisa fungível (art. 710º, nº 1, CC). 
Mantendo-se o direito do devedor exigir a redução da hipoteca (art. 720º, CC). 
Se a prestação for ilíquida, pode a hipoteca ser registada pelo quantitativo provável do crédito (art. 710º, nº 2, CC). 
Se o devedor for condenado a entregar uma coisa ou a prestar um facto, só pode ser registada a hipoteca havendo conversão da prestação numa indemnização pecuniária (nº 3).

Hipotecas voluntárias 
As hipotecas voluntárias nascem de contrato ou declaração unilateral (art. 712º, CC). 
A hipoteca constituída não impede o dono dos bens de os hipotecar de novo; neste caso, extinta uma das hipotecas, ficam os bens a garantir, na sua totalidade, as restantes dívidas hipotecárias (art. 713º, CC). 
Sem prejuízo do disposto em lei especial, o ato de constituição ou modificação da hipoteca voluntária, quando recaia sobre bens imóveis, deve constar de escritura pública, de testamento ou de documento particular autenticado (art. 714º, CC) e sujeito  a registo (art. 687º, CC).
Só tem legitimidade para hipotecar quem puder alienar os respetivos bens (art. 715º, CC). Assim, além do proprietário do bem ou titular do direito, podem igualmente hipotecar quem possua poderes de alienação, como os pais face aos bens dos filhos menores, e os tutores face aos bens dos pupilos, desde que autorizados pelo tribunal (respetivamente, arts. 1889º, nº 1, al. a) e 1938º, nº 1, al. a), CC). 
Proíbe-se a hipoteca geral (art. 716º, CC). Escrevia Vaz Serra, “Com tais hipotecas, o devedor entrega o seu crédito imobiliário nas mãos do credor, que pode, a ser talante, registá-las sobre quaisquer bens, presentes ou futuros, do mesmo devedor. É certo que este conserva o direito de redução, mas a redução exige um processo judicial mais ou menos incómodo”, citado por Antunes Varela, Código Civil Anotado,  p. 737.

Registo da hipoteca 
A hipoteca deve ser registada, sob pena de não produzir efeitos mesmo inter partes (art. 687º). 
Como vimos, nas hipotecas judiciais e nas hipotecas voluntárias, a hipoteca nasce, respetivamente, da sentença, do contrato ou da declaração unilateral, “que é o seu título constitutivo, não sendo o registo senão um requisito de eficácia da garantia, quer em relação a terceiros, quer perante as próprias partes (art. 687º). Nas hipotecas legais, o ato de registo é que constitui o berço da garantia, porque a hipoteca não tem existência jurídica antes do registo, no qual se especificam os bens onerados e se fixa a identidade, especialmente o montante, do crédito assegurado”, Antunes Varela, Das obrigações em geral,  p. 551.

Hipoteca constituída por terceiro 
O terceiro que constitui a hipoteca em benefício do devedor fica, através do cumprimento da obrigação, sub-rogado nos direitos do credor hipotecário, de acordo com o art. 592º, nº 1, CC. 
Pelo que a hipoteca constituída por terceiro se extingue quando, por facto positivo ou negativo do credor, não possa dar-se a sub-rogação do terceiro nos direitos do credor, não devendo os bens daquele continuar vinculados ao cumprimento da obrigação (art. 717º, nº 1, CC). 
O caso julgado proferido em relação ao devedor produz efeitos relativamente a terceiro que haja constituído a hipoteca, nos termos em que os produz em relação ao fiador (nº 2), sendo aplicável, portanto, o disposto no art. 635º, nº 1, CC. 
O caso julgado não pode ser oposto ao terceiro, mas este pode invoca-lo a seu favor. 

Redução da hipoteca 
A redução da hipoteca pode ser voluntária ou judicial (art. 718º, CC). 
A redução voluntária só pode ser consentida pelo credor com capacidade de disposição (credor garantido), dado tratar-se de uma redução que pode implicar uma diminuição do que lhe é devido, aplicando-se à redução voluntária, o regime da renúncia à hipoteca (arts. 719º e 731º, CC). 
Ou seja, a redução voluntária deve ser expressamente declarada por quem dela for beneficiário, escrita em documento que contenha a assinatura do credor reconhecida presencialmente (salvo se for feita na presença de funcionário da conservatória competente para o registo) e não precisa de aceitação do devedor ou do autor da hipoteca (garante) para produzir os seus efeitos. 
A redução judicial (que ocorre nas hipotecas legais e judiciais) tem lugar, a requerimento de qualquer interessado (devedor ou credores não garantidos), respeitando aos bens ou à quantia destinada como montante do crédito (art. 720º, nº 1, 1ª parte, CC). 
Esta faculdade é afastada havendo menção expressa (por convenção ou sentença) dos bens onerados ou da quantia assegurada (2ª parte). Neste caso, bem como no de hipoteca voluntária, a redução só é permitida:
 - porque a dívida foi sendo amortizada e em virtude desse cumprimento parcial ou de outra causa de extinção, o crédito garantido ficar reduzido a menos de dois terços do seu montante inicial (nº 2, al. a)); 
- se os bens hipotecados aumentaram de valor em mais de um terço à data da constituição da hipoteca, em virtude de acessões naturais ou benfeitorias (al. b)). 
A redução é realizável, quanto aos bens, ainda que a hipoteca tenha por objeto uma só coisa ou direito, desde que a coisa ou direito seja suscetível de cómoda divisão, para não prejudicar o devedor no seu património (nº 3). 

 Transmissão dos bens hipotecados
A expurgação da hipoteca “consiste na faculdade reconhecida ao adquirente do imóvel onerado de eliminar (expurgar) a hipoteca, para que o imóvel fique nas suas mãos livres de encargos. (…). Claro que essa faculdade concedida ao novo proprietário só se compreende desde que ela não envolva demasiado sacrifício para o credor hipotecário,” indica Antunes VarelaDas Obrigações em Geral, p. 556. 
A expurgação da hipoteca ocorre: 
- pelo pagamento integral aos credores hipotecários da dívida a que os bens estão hipotecados (art. 721º, al. a), CC); 
- pela declaração do novo adquirente de que está pronto a entregar aos credores, para pagamento dos seus créditos, até à quantia pela qual obteve os bens, ou aquela em que os estima, quando a aquisição tenha sido feita por título gratuito ou não tenha havido fixação de preço (al. b)). 
O direito de expurgação é extensivo ao doador ou aos seus herdeiros, relativamente aos bens hipotecados pelo donatário que venham ao poder daqueles em consequência da revogação da liberalidade por ingratidão do donatário, ou da sua redução por inoficiosidade (art. 722º, CC). 
A sentença que declarar os bens livres de hipotecas em consequência de expurgação não será proferida sem se mostrar que foram citados todos os credores hipotecários (art. 723º, nº 1, CC). 
 O credor que, tendo a hipoteca registada, não for citado nem comparecer espontaneamente em juízo não perde os seus direitos de credor hipotecário, seja qual for a sentença proferida em relação aos outros credores (nº 2). 
 Se o requerente da expurgação não depositar a importância devida, nos termos da lei de processo, fica o requerimento sem efeito e não pode ser renovado, sem prejuízo da responsabilidade do requerente pelos danos causados aos credores (nº 3). 
Se o adquirente da coisa hipotecada tinha, anteriormente à aquisição, algum direito real sobre ela, esse direito renasce no caso de venda em processo de execução ou de expurgação da hipoteca e é atendido em harmonia com as regras legais relativas a essa venda (art. 724º, nº 1, CC). 
Renascem do mesmo modo e são incluídas na venda as servidões que, à data do registo da hipoteca, oneravam algum prédio do terceiro adquirente em benefício do prédio hipotecado (nº 2). 
O credor hipotecário pode, antes do vencimento do prazo, exercer o seu direito contra o adquirente da coisa ou direito hipotecado se, por culpa deste, diminuir a segurança do crédito (art. 725º, CC), exigindo, portanto, o cumprimento da obrigação, não obstante o prazo ter sido estabelecido em benefício do devedor (art. 780º, nº 1), decorrendo daí a perda do benefício do prazo. 
Em lugar do cumprimento da obrigação, o credor pode exigir a substituição ou reforço da garantia (art. 701º, nº 1, CC). Para os efeitos dos artigos 1269.º (perda ou deterioração da coisa), 1270.º (Frutos na posse de boa fé) e 1275.º (Benfeitorias voluptuárias), o terceiro adquirente é havido como possuidor de boa fé, na execução, até ao registo da penhora, e, na expurgação da hipoteca, até à venda judicial da coisa ou direito. 

Transmissão da hipoteca 
A hipoteca, em princípio, transmite-se com o próprio crédito que garante. 
No entanto, o que o art. 727º, CC, aborda é a transmissão autónoma da hipoteca. Assim, a hipoteca pode garantir o crédito de outro credor do mesmo devedor. Para tal, não pode a hipoteca ser inseparável da pessoa do devedor (por ex., a hipoteca que recaia sobre o obrigado à prestação de alimentos, art. 705º, al. d), CC) e o cessionário terá que ser credor do mesmo devedor (nº 1). 
“São duas as formas de transmissão (autónoma) da hipoteca previstas e reguladas na lei: uma, feita pelo credor hipotecário a favor do credor comum do mesmo devedor, que abrange toda a garantia; outra, mais sofisticada, realizada pelo credor hipotecário a favor de outro hipotecário, que no fundo se limita a uma simples cessão do grau da hipoteca”, indica Antunes Varela, Das Obrigações em Geral,  p. 559.
Em resultado do princípio da indivisibilidade da hipoteca, o credor com hipoteca sobre mais de uma coisa ou direito só pode cedê-la à mesma pessoa e na sua totalidade (nº 2). 
A transmissão da hipoteca não pode colocar o devedor em posição mais onerosa, pelo que a hipoteca cedida garante o novo crédito nos limites do crédito originariamente garantido (art. 728º, nº 1, CC). Registada a cessão, a extinção do crédito originário não afeta a subsistência da hipoteca, autonomizando-se esta no crédito que lhe deu origem (nº 2). O art. 729º, CC permite a cessão do grau hipotecário, o qual é fixado pela data do registo.. 

Extinção da hipoteca 
A hipoteca extingue-se: 
 - Pela extinção da obrigação a que serve de garantia, face ao seu caráter acessório (art. 730º, al. a)); 
 - Por prescrição, decorridos cumulativamente, cinco anos sobre o vencimento da obrigação e a favor de terceiro adquirente do prédio hipotecado, decorridos vinte anos sobre o registo da aquisição (al. b)). “Entendeu-se que devia proteger-se a situação de terceiro adquirente do prédio hipotecado, quando a garantia não seja exercida para além de certo período de tempo. Esse período, para acautelar em termos razoáveis o direito do credor e para justificar a tutela excecional do adquirente do imóvel onerado, define-se por uma dupla coordenada temporal. Para que esta espécie de favor libertatis funcione em favor do terceiro adquirente, é efetivamente necessário que tenham decorridos, por um lado, vinte anos sobre o registo da aquisição e, por outro, cinco sobre o vencimento da obrigação”, esclarece Antunes Varela,  Das Obrigações em Geral,  p. 563.
- Pelo perecimento total da coisa hipotecada (pois sendo parcial, mantém-se em relação à parte existente, art. 696º, CC), sem prejuízo do disposto nos artigos 692.º (transferência do direito para a quantia paga a título de indemnização) e 701.º (substituição da coisa que pereceu por causa não imputável ao credor), segundo a al. c); 
 - Pela renúncia do credor (al. d)). 
Sendo, ainda de aplicar outras causas de extinção da hipoteca, como o decurso do prazo fixado para a sua duração, a verificação de condição resolutiva a que ficou subordinada, etc. 

Renúncia à hipoteca 
A renúncia à hipoteca deve ser expressa (para segurança da vontade do credor e para facilitar o cancelamento do registo) e escrita em documento que contenha a assinatura do renunciante reconhecida presencialmente, salvo se esta for feita na presença de funcionário da conservatória competente para o registo, não carecendo de aceitação do devedor ou do autor da hipoteca para produzir os seus efeitos, dado ser um negócio jurídico unilateral (art. 731º, nº 1, CC). Os administradores de patrimónios alheios não podem renunciar às hipotecas constituídas em benefício das pessoas cujos patrimónios administram (nº 2). 
Para proteção de terceiros, se a causa extinta da obrigação ou a renúncia do credor à garantia for declarada nula ou anulada, ou ficar por outro motivo sem efeito, a hipoteca, se a inscrição tiver sido cancelada, renasce apenas desde a data da nova inscrição (art. 732º, CC).

Origem da figura do Pacto Comissório




Origem da figura do Pacto Comissório 


Na Antiga Roma, permitia-se que os contratos de compra e venda e os contratos de garantia incluíssem uma cláusula designada por Lex Comissoria. O termo Lex é usado no sentido de pactum, ou seja, acordo e o termo comissoria tem o significado de cadere in commissum, ou seja, violação do pacto. 
O pactum comissorio consistia numa cláusula mediante a qual, se o devedor não cumprisse as obrigações assumidas, dentro do prazo, o credor adquiria a coisa dada em garantia, cobrando-se assim pelo crédito não satisfeito. 
Quando aposta no contrato de compra e venda, a cláusula concedia ao vendedor o direito de resolver o contrato, no caso de o preço não ser pontualmente pago pelo comprador. Quando aposta num contrato de penhor ou de hipoteca, a cláusula permitia ao credor hipotecário ou ao credor pignoratício fazer sua a coisa dada em garantia, caso o devedor não cumprisse pontualmente, a sua obrigação. Quando inserta num contrato de garantia, a cláusula permitia que o credor se tornasse proprietário da coisa dada em garantia, caso o devedor não cumprisse a sua obrigação no tempo acordado. 
A Lex Comissoria foi proibida, por édito, pelo Imperador Constantino em 320 d.C., em particular pela usura que o pacto permitia, dado que o valor da coisa dada em garantia ser, em regra, muito superior ao valor do crédito garantido. 
O pacto comissório não se confunde com o pacto marciano, neste, as partes preveem antecipadamente que, no caso de incumprimento, pode o credor fazer sua a coisa dada em garantia, mediante o pagamento de um preço, que corresponde à diferença entre o valor do bem e o valor da dívida (crédito). Segundo HUGO RAMOS ALVES, Do Penhor, Almedina, 2010, pp.134-136, é admissível o recurso ao instituto do pacto marciano, visto que não se traduz numa vantagem injustificada para o credor. O pacto implica a transferência do bem dado em garantia para o credor mediante um pagamento de um preço justo. Além disso, refere que os credores que se sintam lesados em relação à admissão do pacto marciano, possam recorrer aos meios de conservação de garantias para defesa dos seus direitos.

Aula sobre Fiança


Noção
Pela fiança, um terceiro (fiador) assegura, através do seu património, o cumprimento da obrigação do devedor (afiançado), ficando pessoalmente obrigado perante o respetivo credor (art. 627º, nº 1, CC).
O garante pode, no entanto, nos termos do art. 602º, CC, limitar a sua responsabilidade a alguns dos seus bens.

Proximidade com o aval
Também o aval garante o cumprimento da obrigação, sendo recorrente nos títulos cambiários. O avalista garante o cumprimento da obrigação cambiária subscrita pelo avalizado.
Nos termos do art. 32º, LULL, o “dador de aval é responsável da mesma maneira que a pessoa por ele afiançada. A sua obrigação mantém-se, mesmo no caso de a obrigação que ele garantiu ser nula por qualquer razão que não seja um vício de forma”.
Resulta deste preceito que a obrigação do avalista é paralela à obrigação que recai sobre o avalizado e não propriamente uma obrigação subsidiária. Corolário desta interpretação é a impossibilidade do avalista gozar do benefício da prévia excussão.

Características:
Natureza acessória (art. 627º, nº 2, CC).
Após a constituição da obrigação principal (credor-devedor), a garanti-la, surge a obrigação acessória (credor-fiador).
A obrigação que o fiador assume é acessória da que recai sobre o obrigado principal, dado que aquele apenas garante que a obrigação (afiançada) do devedor será satisfeita.

Manifestações da acessoriedade
- Quanto à forma
A declaração de fiança necessita de revestir a forma exigida para a obrigação principal (art. 628º, nº 1, CC), não vigorando o princípio da liberdade da form(previsto no art. 219º, CC). 
“Mas a lei não se limita a este princípio de equiparação formal entre as duas obrigações: a do devedor, de um lado, e a do fiador, do outro.
Exige ainda que a declaração da vontade de prestar fiança seja expressa. A vontade de cobrir a obrigação do vendedor, obrigando-se perante o credor a realizar a mesma prestação, tem que resultar diretamente da declaração do fiador, e não através de deduções, inferências ou presunções, embora para esse efeito não haja fórmulas precisas ou sacramentais”, explica ANTUNES VARELA, Das Obrigações em geral, II, 7ª ed., p. 482.

- Quanto ao conteúdo da obrigação
Expressão dessa acessoriedade está traduzida no art. 631º, CC, o qual indica que a fiança não pode exceder a dívida principal, nem ser contraída em condições mais onerosas. Se exceder ou for contraída em condições mais onerosas é redutível nos precisos termos da dívida afiançada (nº 2).

- Quanto à validade
Existe uma relação de dependência entre as duas relações, pois a fiança só é válida se o for a obrigação principal (art. 632º, nº 1, CC).

- Quanto à natureza
A natureza (comercial ou civil) da fiança dependerá do caráter da obrigação principal.

- Quanto à extinção
O art. 651º, CC, determina que a extinção da obrigação principal determina a extinção da fiança.

Natureza subsidiária
A subsidiariedade da fiança concretiza-se no chamado benefício da (prévia) excussão, que consiste “no direito que pertence ao fiador de recusar o cumprimento enquanto não estiverem excutidos todos os bens do devedor principal; e, inclusive, depois dessa excussão, se provar que o crédito não foi satisfeito por culpa do credor (art. 638º, nºs 1 e 2)”, ensina ALMEIDA COSTA, Direito das Obrigações,  12ª ed., p. 895. A lei não distingue entre bens de fácil ou de difícil execução. “O benefício incide sobre a execução e não sobre a demanda”, explica ANTUNES VARELA, op. cit., p. 655.
Mas o fiador pode ser demandado a cumprir antes mesmo do devedor principal, nos termos dos arts. 640 e 641º, CC.


Relações entre o credor e o fiador
O credor pode exigir a realização da prestação devida a terceiro (fiador), caso o devedor principal (afiançado) não a tenha cumprido (art. 634º, CC).
No entanto, atenta a natureza subsidiária da fiança, ao fiador é lícito recusar o cumprimento da obrigação enquanto o credor não tiver excutido todos os bens do devedor (art. 638º, nº 1, CC). Ou seja, o benefício da excussão permite ao fiador exigir ao credor o (prévio) esgotamento dos bens do devedor, antes dele (fiador) responder com o seu património.
O fiador pode opor-se à execução dos respetivos bens (penhoráveis) que integram o seu património, enquanto se não tiverem esgotados todos os bens do devedor, não estando o direito do credor total ou parcialmente satisfeito.
É, ainda, lícita a recusa do cumprimento por parte do fiador, não obstante a excussão de todos os bens do devedor, se o fiador provar que o crédito não foi satisfeito por culpa do credor, por  ex., não ter interpelado o devedor aquando do vencimento da obrigação (art. 638º, nº 2, CC).
Havendo garantias reais constituídas por terceiro, contemporânea ou anterior à fiança, o fiador tem o direito de exigir a execução prévia das coisas sobre que recai a garantia real (art. 639º, nº 1, CC), respondendo, apenas, pelo saldo negativo de tais garantias.
Se as garantias reais forem posteriores à fiança, já não assiste ao fiador o benefício da prévia excussão.
 O credor pode, no entanto, demandar, querendo, o devedor e o fiador, ainda que este goze do benefício da excussão, de acordo com o estatuído no art. 641º, nº 1, CC.
Atendendo a que a subsidiariedade não é um requisito essencial da fiança, há casos em que o fiador não goza do benefício da excussão. Assim acontece quando renuncia a esse benefício, nomeadamente por ter assumido a posição do principal pagador (art. 640º, al. a), CC) ou quando o devedor ou o dono dos bens onerados com garantia (real) não poder ser demandado ou executado no território continental ou das ilhas adjacentes por facto posterior à constituição da fiança (al. b)).

Relações entre o devedor e o fiador
O fiador que cumpre a obrigação fica legalmente sub-rogado (art. 895º, CC) na posição de credor (art. 644º, CC). Mais do que um mero direito de regresso, há uma efetiva transmissão do crédito a favor do fiador.
A transmissão do crédito manifesta-se no facto de não só se transmitir o crédito principal, como todos os atributos deste. Assim, “se o credor tinha direito a juros, ao cálculo de juros a certa taxa, a qualquer privilégio ou cláusula penal, todos esses atributos acompanham a sub-rogação operada a favor do fiador solvens”, resume ANTUNES VARELA, op. cit., p. 498.
Ainda, adquire o fiador todos os direitos reais de garantia que acompanhavam o crédito.
Os arts. 645º, nº 1 e 646º, CC, impõem a quem cumpre um dever acessório de conduta relativo ao aviso de cumprimento.
O fiador pode exigir a sua liberação ou a prestação de caução para garantia do seu direito eventual contra o devedor, nos seguintes casos:
- se o credor obtiver contra o fiador sentença exequível (art. 648º, al. a), CC);
- se os riscos da fiança se agravarem sensivelmente (art. 648º, al. b), CC);
“Pode não ter havido diminuição de fortuna (diminuição do ativo patrimonial) do devedor e terem-se agravado os riscos da fiança, por virtude de qualquer falta cometida pelo devedor no âmbito da relação obrigacional”, explana ANTUNES VARELA, op. cit., p. 498.
- se após a assunção da fiança, o devedor se houver colocado em condições de não poder ser demandado  ou executado no território continental ou das ilhas adjacentes (art. 648º, al. c), CC);
- se o devedor se houver comprometido a desonerar o fiador dentro de certo prazo ou verificado certo evento e já tiver decorrido o prazo ou se tiver verificado o evento previsto (art. 648º, al. d), CC);
- se houverem decorridos cinco anos, não tendo a obrigação principal um termo (art. 648º, al. e), CC).

Meios de defesa oponíveis ao credor pelo fiador

Quanto aos meios de defesa próprios
São meios de defesa próprios do fiador todos os que dizem respeito à obrigação acessória, sendo esta composta pelo negócio jurídico constitutivo da fiança. Assim, ao fiador aproveita, entre outros, a nulidade da fiança, a prescrição, o benefício de excussão (art. 637º, nº 1, 1ª parte, CC).
A lei ressalva os meios de defesa incompatíveis com a obrigação do fiador, como por ex., a falta ou vícios de vontade do afiançado, os quais apenas atingem a relação constituição entre este e o credor.

Além dos meios de defesa próprios, o fiador tem o direito de opor ao credor aqueles que competem ao devedor (2ª parte), ou seja, aqueles que dizem respeito à obrigação principal, ou seja, a constitutiva da relação jurídica entre o devedor e o credor (como a prescrição e a nulidade da obrigação).
 “O negócio constitutivo da fiança pode sofrer de qualquer dos vícios próprios dos contratos (incapacidade das partes, falta de forma, simulação, erro, dolo, coação, etc.). O fiador pode ser credor do titular do crédito afiançado e haver lugar à compensação, o credor pode estar muitos anos sem exigir o cumprimento da obrigação (acessória) do fiador, etc.”, diz ANTUNES VARELA, op. cit., p. 493.

Quanto aos meios de defesa do devedor
Os meios de defesa do devedor, conforme já indicado, reportam-se à relação constituída entre devedor e credor. Assim“se a obrigação principal é nula ou vem a ser anulada, porque nulo ou anulável é o negócio jurídico donde a obrigação nasceu; se a obrigação se extingue porque prescreveu ou porque foi cumprida, porque houve dação em cumprimento, todas estas objeções ou exceções aproveitam, em princípio, ao fiador, cumprindo apenas salientar que, no caso de mera anulabilidade da obrigação, é ao devedor – e não ao fiador – que cabe fazer a opção pessoal (entre a convalidação, a confirmação ou a anulação) facultada por lei”, explica ANTUNES VARELA, op. cit., p. 493.
Ainda, o art. 642º, nº 1, CC, refere a compensabilidade de créditos entre devedor e credor.

Caso julgado

Entre credor e devedor
O caso julgado entre credor e devedor não é oponível ao fiador (art. 635º, nº 1, CC), pois este não interveio na ação, pelo que não teve oportunidade de se defender contra a pretensão do credor, outra solução permitiria fáceis conluios entre as partes. Mas o fiador pode invocar o caso julgado em seu benefício, “porque, sendo desfavorável ao credor, não há o perigo de conluio entre as partes nem o de negligência do devedor na condução da sua defesa” explica avisadamente ANTUNES VARELA, op. cit., p. 493. Salvo se respeitar a circunstâncias pessoais do devedor que não excluam a responsabilidade do fiador (2ª parte), por ex. se a obrigação principal foi assumida por um incapaz que invocou a sua incapacidade, o caso julgado não aproveita ao credor (art. 632º, nº 2, CC).

Entre credor e fiador
O caso julgado entre credor e fiador aproveita ao devedor, desde que respeite à obrigação principal (nº 2). Porém,  o caso julgado  desfavorável ao devedor não pode ser imposto a este, dado que não interveio na lide, não tendo tido oportunidade de se defender.




Prescrição

A interrupção, suspensão e renúncia à prescrição demonstram a relativa autonomia e  independência entre a obrigação principal e a acessória.
A interrupção, a suspensão e a renúncia da prescrição não produzem efeito contra o fiador (art. 636º, CC).

No entanto, se o credor interromper a prescrição contra o devedor e der conhecimento ao fiador, a prescrição já se interrompe quanto a este (art. 636º, nº 1, 2ª parte, CC).



Pluralidade de fiadores

Fiadores isolados (Fiança isolada)
Considera-se fiança isolada aquela que é assumida por um fiador sem comparticipação ou acordo dos demais.
Se vários fiadores tiverem, isoladamente, afiançado o devedor, cada um responde pela satisfação integral da dívida, exceto se foi convencionado o benefício da divisão (art. 649º, nº 1, CC).
O fiador que tiver cumprido a obrigação, fica, posteriormente, sub-rogado nos direitos do credor contra o devedor e contra os outros cofiadores, por aplicação das regras das obrigações solidárias (art. 650º, nº 1, CC).

Fiadores conjuntos (Fiança conjunta)
Considera-se fiança conjunta aquela que é assumida por um fiador conjuntamente com os demais, no âmbito de uma relação negocial.

Se vários fiadores se tiverem obrigado conjuntamente, cada um dos fiadores responde na devida proporção (e não integralmente), podendo, ainda, invocar o benefício da divisão (art. 649º, nº 2, CC). O fiador que tiver cumprido a obrigação possui o direito de reclamar dos outros as quotas deles, ainda que o devedor não esteja insolvente (art. 650º, nº 2, CC).


Extinção da fiança
O art. 651º, CC, expressa o princípio da acessoriedade: extinta a obrigação principal, é extinta a fiança.
Ocorre a caducidade da fiança, se o credor, em obrigação principal a prazo, não procede contra o devedor dentro do prazo de dois meses a contar do vencimento (art. 652º, nº 1, CC).
Igualmente ocorre a caducidade da fiança na obrigação pura, desde que o fiador, não privado do benefício da excussão, exija do credor a interpelação do devedor, e haja decorrido mais de um ano sobre a data da assunção da fiança (nº 2).
Ainda há a extinção da fiança, pela circunstância de, por facto imputável ao credor, o fiador não poder ficar sub-rogado nos direitos que lhe assistem (art. 653º, CC).