Noção
A hipoteca é um direito acessório da obrigação (futura ou condicional) a que serve de garantia, conferindo ao credor o direito de ser pago pelo valor de certos bens imóveis, ou equiparados (art. 688º, al. f), CC), pertencentes ao devedor ou a terceiro, com preferência sobre os demais credores que não gozem de privilégio especial ou de prioridade de registo (art. 686º, CC), desde que registada (art. 687º, CC).
Além do direito de preferência, o credor hipotecário goza do direito de sequela, característico dos direitos reais.
A obrigatoriedade do registo permite que o credor que primeiramente proceda ao registo fique garantido face àqueles que registem a hipoteca posteriormente.
A lei considera que a hipoteca não registada sofre de ineficácia, mesmo em relação às partes (art. 687º, CC). Essa ineficácia “não corresponde à inexistência ou nulidade da hipoteca. Esta é válida e pode a todo o tempo ser registada”, esclarece Antunes Varela, Código Civil Anotado, p. 706.
Objeto
São hipotecáveis os prédios rústicos e urbanos (art. 688º, nº 1, al. a), CC), definidos no art. 204º, nº 2, CC.
“Estes prédios podem ser hipotecados em toda a sua extensão, ou seja, com os limites fixados pelo artigo 1344º e podem ser hipotecados apenas em parte, ou apenas os elementos suscetíveis de propriedade autónoma , isto é, suscetíveis de alienação em separado dos restantes elementos, nos termos do nº 2 deste mesmo artigo”,Antunes Varela, Código
Civil Anotado, p. 707.
E, por extensão, são igualmente hipotecáveis as árvores, os arbustos e os frutos naturais (enquanto estiverem ligados ao solo), os direitos inerentes aos imóveis e as partes integrantes dos prédios rústicos e urbanos (art. 204º, nº 1, als. c) a e) ex vi art. 691º, nº 1, al. a), do CC), as acessões naturais e as benfeitorias, salvo o direito de terceiros (art. 691º, nº 1, als. b) e c), CC).
Já as partes componentes (art. 204º, nº 3, CC) não podem ser hipotecadas dada a sua natureza de coisa móvel (como o painel solar, as telhas, as janelas).
Assim igualmente hipotecáveis são o direito de superfície (art. 688º, nº 1, c)); o direito resultante de concessão em bens do domínio público (al. d)); o usufruto (al. e)) e as coisas móveis que a lei, para o efeito da constituição da garantia hipotecária, equipara aos imóveis, como os navios, automóveis e aeronaves (al. f)) .
Os bens comuns também são hipotecáveis (art. 689º, nº 1, CC), sem prejudicar o direito dos consortes requererem ou procederem à divisão da coisa.
Na hipótese de a divisão da coisa ou direito comum ser feita com o consentimento do credor, a hipoteca é limitada à parte atribuída ao devedor (nº 2).
Na hipótese de a divisão da coisa ou direito comum ser feita sem o consentimento do credor, e na ausência de previsão legal, entende-se que o direito hipotecário não é atingido, continuando a incidir sobre a quota ideal da coisa.
Já não é hipotecável a meação dos bens comuns do casal nem tão pouco a quota da herança indivisa (art. 690º, CC). Quanto à meação dos bens comuns do casal, face ao propósito da sociedade conjugal, não permite a lei que metade dos bens comuns fique em poder de um terceiro. Quanto à quota da herança indivisa, entre outros motivos, a necessidade de serem determinadas as coisas hipotecadas (art. 686º, CC) impede a hipoteca.
A hipoteca assegura os acessórios do crédito que constem do registo (art. 693º, nº 1), como os juros, as despesas de constituição da hipoteca e do registo desta.
Princípios gerais
A proibição do pacto comissório
É nula a convenção pela qual o credor fará sua a coisa onerada no caso de o devedor não cumprir (art. 694º, CC). Quer quanto aos pactos comissórios reais (pelos quais a coisa se transfere para o credor pelo não cumprimento da obrigação garantida), quer os pactos comissórios obrigacionais (que permitiriam ao credor o direito de créditos quanto às transmissões).
A nulidade do pacto comissório não implica a nulidade de todo o negócio, aplicando-se o regime do art. 292º, CC, sobre redução dos negócios jurídicos.
A inalienabilidade dos bens hipotecados
É nula a convenção que proíba o dono de alienar ou onerar os bens hipotecados (art. 695º, 1ª parte), pois é de recear uma atitude usurária por parte do credor, “agravada, no caso de inalienabilidade dos bens hipotecados, com uma capitis deminutio do devedor, aliás injustificável, já que, com a alienação ou oneração da coisa, em nada são prejudicados os direitos do credor, dados os direitos de sequela e de prioridade que lhe são atribuídos” (Antunes Varela, Código
Civil Anotado, p. 718).
A indivisibilidade ou solidariedade da hipoteca
Salvo convenção em contrário, a hipoteca é indivisível, subsistindo por inteiro, até integral satisfação do crédito, sobre cada uma das coisas oneradas e sobre cada uma das partes que as constituam, ainda que a coisa ou o crédito seja dividido ou este se encontre parcialmente satisfeito. (art. 696º, CC).
Assim, “se a hipoteca recair sobre dois ou mais prédios, homogéneos, a garantia recai por inteiro sobre cada um deles e não apenas parcelarmente, ou fragmentariamente, e na proporção ao valor de cada um deles. (…) Por outro lado, se o crédito garantido se fracionar, v.g., mercê da sua cesaão parcial a um ou mais cessionários, qualquer dos credores gozar do poder de executar o seu crédito, por inteiro, sobre o imóvel ou imóveis onerados”, elucida Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, Almedina, vol. II, 6ª ed., p. 549.
Substituição ou reforço da hipoteca
Quando, por causa não imputável ao credor, a coisa hipotecada perecer ou a hipoteca se tornar insuficiente para segurança da obrigação, tem o credor o direito de exigir que o devedor a substitua ou reforce; pelo que caso o devedor não a substitua ou reforce, nos termos declarados na lei de processo, pode o credor exigir o imediato cumprimento da obrigação ou, tratando-se de obrigação futura, registar hipoteca sobre outros bens do devedor (art. 701º, nº 1, CC).
“Praticamente (…), salvo por vontade do credor, a disposição deste artigo 701º é apenas aplicável no caso de a perda ou diminuição serem devidas a caso fortuito, sem culpa do credor ou do devedor”, Antunes Varela, Código
Civil Anotado, p. 724.
No caso de a hipoteca ter sido constituída por terceiro, se a diminuição da garantia for devida a culpa sua (terceiro), o credor tem o direito de exigir ao terceiro (e não ao devedor) a substituição ou o reforço da hipoteca, ficando o mesmo sujeito à cominação do nº 1 (nº 2).
Além de poder dispor do preceituado no art. 780º, nº 2, 1ª parte, CC, exigindo o cumprimento imediato da obrigação.
Seguro
Quando o devedor se comprometa a segurar a coisa hipotecada e não a segure no prazo devido ou deixe rescindir o contrato por falta de pagamento dos respectivos prémios, tem o credor a faculdade de segura-la à custa do devedor, embora o não possa fazer por um valor excessivo, sob pena de o devedor exigir a redução contratual (art. 702º, nº 1).
Em lugar do seguro, pode o credor reclamar, o imediato cumprimento da obrigação (nº 2).
Espécies de hipotecas
As hipotecas são legais, judiciais ou voluntárias (art. 703º, CC).
Hipotecas legais
As hipotecas legais resultam imediatamente da lei, sem dependência da vontade das partes, e podem constituir-se desde que exista a obrigação a que servem de segurança (art. 794º, CC).
Apesar de resultar da lei, a hipoteca não opera ope legis, carece de ser constituída e registada (art. 687º, CC).
O legislador quis proteger determinados credores, como explica VAZ SERRA, “que não poderiam obter o consentimento do devedor para uma hipoteca convencional ou só o poderiam obter com dificuldade ou sacrificando a natural delicadeza existente nas relações entre credor e devedor”, citado por Antunes Varela, Código Civil Anotado, p. 726.
Os credores com hipoteca legal são os constantes do art. 705º, CC.
Assim, estão contemplados:
- O Estado e das autarquias locais, sobre os bens cujos rendimentos estão sujeitos ao IMI, para garantia do pagamento desta contribuição (al. a));
- O Estado e as demais pessoas coletivas públicas, sobre os bens dos encarregados da gestão de fundos públicos, para garantia do cumprimento das obrigações por que se tornem responsáveis (al. b));
- O menor, o interdito e o inabilitado, sobre
os bens do tutor, curador e administrador legal, para assegurar a
responsabilidade que nestas qualidades vierem a assumir (al. c)). Quanto aos inabilitados, em princípio,
os respetivos curadores não possuem a administração do seu património, e não
podem, em consequência, assumir qualquer espécie de responsabilidade. A lei
reporta-se apenas ao caso excecional previsto no art. 154º, CC. É de aplicar,
neste caso, o previsto no art. 706º, nº 1 CC. A determinação do valor da
hipoteca estabelecida a favor do menor, interdito ou inabilitado, para efeito
do registo, e a designação dos bens sobre que há-de ser registada cabem ao
conselho de família.
- O credor por alimentos (al. d)), quer por força da lei (art. 2009º, CC), quer por negócio jurídico (art. 2014º, CC).
- O coherdeiro, sobre os bens adjudicados ao devedor de tornas, para garantir o pagamento destas (al. e)), tendo o credor o direito de reforçar a hipoteca se a garantia puder continuar a incidir sobre os bens aí especificados (art. 709º, CC);
- O legatário de dinheiro ou outra coisa fungível (art. 207º, CC), sobre os bens sujeitos ao encargo do legado ou, na sua falta, sobre os bens que os herdeiros responsáveis houveram do testador (al. f)); tendo o credor o direito de reforçar a hipoteca se a garantia puder continuar a incidir sobre os bens aí especificados (art. 709º, CC).
Substituição da hipoteca
O tribunal pode autorizar, a requerimento do devedor, a substituição da hipoteca legal por outra caução (art. 707º, nº 1, CC). Assim como no caso do devedor não possuir bens suscetíveis de hipoteca, suficientes para garantir o crédito, pode o credor exigir outra caução (nos termos do artigo 625.º), salvo nos casos das hipotecas destinadas a garantir o pagamento das tornas ou do legado de dinheiro ou outra coisa fungível (nº 2).
Objeto
A hipoteca legal pode assumir o tipo de hipoteca geral, sem prejuízo do direito de redução (art. 708º, CC).
Hipotecas judiciais
As hipotecas judiciais nascem da sentença condenatória (mesmo não transitada em julgado) do devedor à realização de uma prestação em dinheiro ou outra coisa fungível (art. 710º, nº 1, CC).
Mantendo-se o direito do devedor exigir a redução da hipoteca (art. 720º, CC).
Se a prestação for ilíquida, pode a hipoteca ser registada pelo quantitativo provável do crédito (art. 710º, nº 2, CC).
Se o devedor for condenado a entregar uma coisa ou a prestar um facto, só pode ser registada a hipoteca havendo conversão da prestação numa indemnização pecuniária (nº 3).
Hipotecas voluntárias
As hipotecas voluntárias nascem de contrato ou declaração unilateral (art. 712º, CC).
A hipoteca constituída não impede o dono dos bens de os hipotecar de novo; neste caso, extinta uma das hipotecas, ficam os bens a garantir, na sua totalidade, as restantes dívidas hipotecárias (art. 713º, CC).
Sem prejuízo do disposto em lei especial, o ato de constituição ou modificação da hipoteca voluntária, quando recaia sobre bens imóveis, deve constar de escritura pública, de testamento ou de documento particular autenticado (art. 714º, CC) e sujeito a registo (art. 687º, CC).
Só tem legitimidade para hipotecar quem puder alienar os respetivos bens (art. 715º, CC). Assim, além do proprietário do bem ou titular do direito, podem igualmente hipotecar quem possua poderes de alienação, como os pais face aos bens dos filhos menores, e os tutores face aos bens dos pupilos, desde que autorizados pelo tribunal (respetivamente, arts. 1889º, nº 1, al. a) e 1938º, nº 1, al. a), CC).
Proíbe-se a hipoteca geral (art. 716º, CC). Escrevia Vaz Serra, “Com tais hipotecas, o devedor entrega o seu crédito imobiliário nas mãos do credor, que pode, a ser talante, registá-las sobre quaisquer bens, presentes ou futuros, do mesmo devedor. É certo que este conserva o direito de redução, mas a redução exige um processo judicial mais ou menos incómodo”, citado por Antunes Varela, Código Civil Anotado, p. 737.
Registo da hipoteca
A hipoteca deve ser registada, sob pena de não produzir efeitos mesmo inter partes (art. 687º).
Como vimos, nas hipotecas judiciais e nas hipotecas voluntárias, a hipoteca nasce, respetivamente, da sentença, do contrato ou da declaração unilateral, “que é o seu título constitutivo, não sendo o registo senão um requisito de eficácia da garantia, quer em relação a terceiros, quer perante as próprias partes (art. 687º).
Nas hipotecas legais, o ato de registo é que constitui o berço da garantia, porque a hipoteca não tem existência jurídica antes do registo, no qual se especificam os bens onerados e se fixa a identidade, especialmente o montante, do crédito assegurado”, Antunes Varela, Das
obrigações em geral, p.
551.
Hipoteca constituída por terceiro
O terceiro que constitui a hipoteca em benefício do devedor fica, através do cumprimento da obrigação, sub-rogado nos direitos do credor hipotecário, de acordo com o art. 592º, nº 1, CC.
Pelo que a hipoteca constituída por terceiro se extingue quando, por facto positivo ou negativo do credor, não possa dar-se a sub-rogação do terceiro nos direitos do credor, não devendo os bens daquele continuar vinculados ao cumprimento da obrigação (art. 717º, nº 1, CC).
O caso julgado proferido em relação ao devedor produz efeitos relativamente a terceiro que haja constituído a hipoteca, nos termos em que os produz em relação ao fiador (nº 2), sendo aplicável, portanto, o disposto no art. 635º, nº 1, CC.
O caso julgado não pode ser oposto ao terceiro, mas este pode invoca-lo a seu favor.
Redução da hipoteca
A redução da hipoteca pode ser voluntária ou judicial (art. 718º, CC).
A redução voluntária só pode ser consentida pelo credor com capacidade de disposição (credor garantido), dado tratar-se de uma redução que pode implicar uma diminuição do que lhe é devido, aplicando-se à redução voluntária, o regime da renúncia à hipoteca (arts. 719º e 731º, CC).
Ou seja, a redução voluntária deve ser expressamente declarada por quem dela for beneficiário, escrita em documento que contenha a assinatura do credor reconhecida presencialmente (salvo se for feita na presença de funcionário da conservatória competente para o registo) e não precisa de aceitação do devedor ou do autor da hipoteca (garante) para produzir os seus efeitos.
A redução judicial (que ocorre nas hipotecas legais e judiciais) tem lugar, a requerimento de qualquer interessado (devedor ou credores não garantidos), respeitando aos bens ou à quantia destinada como montante do crédito (art. 720º, nº 1, 1ª parte, CC).
Esta faculdade é afastada havendo menção expressa (por convenção ou sentença) dos bens onerados ou da quantia assegurada (2ª parte). Neste caso, bem como no de hipoteca voluntária, a redução só é permitida:
- porque a dívida foi sendo amortizada e em virtude desse cumprimento parcial ou de outra causa de extinção, o crédito garantido ficar reduzido a menos de dois terços do seu montante inicial (nº 2, al. a));
- se os bens hipotecados aumentaram de valor em mais de um terço à data da constituição da hipoteca, em virtude de acessões naturais ou benfeitorias (al. b)).
A redução é realizável, quanto aos bens, ainda que a hipoteca tenha por objeto uma só coisa ou direito, desde que a coisa ou direito seja suscetível de cómoda divisão, para não prejudicar o devedor no seu património (nº 3).
Transmissão dos bens hipotecados
A expurgação da hipoteca “consiste na faculdade reconhecida ao adquirente do imóvel onerado de eliminar (expurgar) a hipoteca, para que o imóvel fique nas suas mãos livres de encargos. (…).
Claro que essa faculdade concedida ao novo proprietário só se compreende desde que ela não envolva demasiado sacrifício para o credor hipotecário,” indica Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, p. 556.
A expurgação da hipoteca ocorre:
- pelo pagamento integral aos credores hipotecários da dívida a que os bens estão hipotecados (art. 721º, al. a), CC);
- pela declaração do novo adquirente de que está pronto a entregar aos credores, para pagamento dos seus créditos, até à quantia pela qual obteve os bens, ou aquela em que os estima, quando a aquisição tenha sido feita por título gratuito ou não tenha havido fixação de preço (al. b)).
O direito de expurgação é extensivo ao doador ou aos seus herdeiros, relativamente aos bens hipotecados pelo donatário que venham ao poder daqueles em consequência da revogação da liberalidade por ingratidão do donatário, ou da sua redução por inoficiosidade (art. 722º, CC).
A sentença que declarar os bens livres de hipotecas em consequência de expurgação não será proferida sem se mostrar que foram citados todos os credores hipotecários (art. 723º, nº 1, CC).
O credor que, tendo a hipoteca registada, não for citado nem comparecer espontaneamente em juízo não perde os seus direitos de credor hipotecário, seja qual for a sentença proferida em relação aos outros credores (nº 2).
Se o requerente da expurgação não depositar a importância devida, nos termos da lei de processo, fica o requerimento sem efeito e não pode ser renovado, sem prejuízo da responsabilidade do requerente pelos danos causados aos credores (nº 3).
Se o adquirente da coisa hipotecada tinha, anteriormente à aquisição, algum direito real sobre ela, esse direito renasce no caso de venda em processo de execução ou de expurgação da hipoteca e é atendido em harmonia com as regras legais relativas a essa venda (art. 724º, nº 1, CC).
Renascem do mesmo modo e são incluídas na venda as servidões que, à data do registo da hipoteca, oneravam algum prédio do terceiro adquirente em benefício do prédio hipotecado (nº 2).
O credor hipotecário pode, antes do vencimento do prazo, exercer o seu direito contra o adquirente da coisa ou direito hipotecado se, por culpa deste, diminuir a segurança do crédito (art. 725º, CC), exigindo, portanto, o cumprimento da obrigação, não obstante o prazo ter sido estabelecido em benefício do devedor (art. 780º, nº 1), decorrendo daí a perda do benefício do prazo.
Em lugar do cumprimento da obrigação, o credor pode exigir a substituição ou reforço da garantia (art. 701º, nº 1, CC).
Para os efeitos dos artigos 1269.º (perda ou deterioração da coisa), 1270.º (Frutos na posse de boa fé) e 1275.º (Benfeitorias voluptuárias), o terceiro adquirente é havido como possuidor de boa fé, na execução, até ao registo da penhora, e, na expurgação da hipoteca, até à venda judicial da coisa ou direito.
Transmissão da hipoteca
A hipoteca, em princípio, transmite-se com o próprio crédito que garante.
No entanto, o que o art. 727º, CC, aborda é a transmissão autónoma da hipoteca.
Assim, a hipoteca pode garantir o crédito de outro credor do mesmo devedor. Para tal, não pode a hipoteca ser inseparável da pessoa do devedor (por ex., a hipoteca que recaia sobre o obrigado à prestação de alimentos, art. 705º, al. d), CC) e o cessionário terá que ser credor do mesmo devedor (nº 1).
“São duas as formas de transmissão (autónoma) da hipoteca previstas e reguladas na lei: uma, feita pelo credor hipotecário a favor do credor comum do mesmo devedor, que abrange toda a garantia; outra, mais sofisticada, realizada pelo credor hipotecário a favor de outro hipotecário, que no fundo se limita a uma simples cessão do grau da hipoteca”, indica Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, p. 559.
Em resultado do princípio da indivisibilidade da hipoteca, o credor com hipoteca sobre mais de uma coisa ou direito só pode cedê-la à mesma pessoa e na sua totalidade (nº 2).
A transmissão da hipoteca não pode colocar o devedor em posição mais onerosa, pelo que a hipoteca cedida garante o novo crédito nos limites do crédito originariamente garantido (art. 728º, nº 1, CC). Registada a cessão, a extinção do crédito originário não afeta a subsistência da hipoteca, autonomizando-se esta no crédito que lhe deu origem (nº 2).
O art. 729º, CC permite a cessão do grau hipotecário, o qual é fixado pela data do registo..
Extinção da hipoteca
A hipoteca extingue-se:
- Pela extinção da obrigação a que serve de garantia, face ao seu caráter acessório (art. 730º, al. a));
- Por prescrição, decorridos cumulativamente, cinco anos sobre o vencimento da obrigação e a favor de terceiro adquirente do prédio hipotecado, decorridos vinte anos sobre o registo da aquisição (al. b)).
“Entendeu-se que devia proteger-se a situação de terceiro adquirente do prédio hipotecado, quando a garantia não seja exercida para além de certo período de tempo. Esse período, para acautelar em termos razoáveis o direito do credor e para justificar a tutela excecional do adquirente do imóvel onerado, define-se por uma dupla coordenada temporal. Para que esta espécie de favor libertatis funcione em favor do terceiro adquirente, é efetivamente necessário que tenham decorridos, por um lado, vinte anos sobre o registo da aquisição e, por outro, cinco sobre o vencimento da obrigação”, esclarece Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, p. 563.
- Pelo perecimento total da coisa hipotecada (pois sendo parcial, mantém-se em relação à parte existente, art. 696º, CC), sem prejuízo do disposto nos artigos 692.º (transferência do direito para a quantia paga a título de indemnização) e 701.º (substituição da coisa que pereceu por causa não imputável ao credor), segundo a al. c);
- Pela renúncia do credor (al. d)).
Sendo, ainda de aplicar outras causas de extinção da hipoteca, como o decurso do prazo fixado para a sua duração, a verificação de condição resolutiva a que ficou subordinada, etc.
Renúncia à hipoteca
A renúncia à hipoteca deve ser expressa (para segurança da vontade do credor e para facilitar o cancelamento do registo) e escrita em documento que contenha a assinatura do renunciante reconhecida presencialmente, salvo se esta for feita na presença de funcionário da conservatória competente para o registo, não carecendo de aceitação do devedor ou do autor da hipoteca para produzir os seus efeitos, dado ser um negócio jurídico unilateral (art. 731º, nº 1, CC).
Os administradores de patrimónios alheios não podem renunciar às hipotecas constituídas em benefício das pessoas cujos patrimónios administram (nº 2).
Para proteção de terceiros, se a causa extinta da obrigação ou a renúncia do credor à garantia for declarada nula ou anulada, ou ficar por outro motivo sem efeito, a hipoteca, se a inscrição tiver sido cancelada, renasce apenas desde a data da nova inscrição (art. 732º, CC).