“A
tutela dos direitos fundamentais em Portugal recebe, numa primeira fase, apenas
o reconhecimento da civilística. Só com o Código Civil de Seabra (1867) se
apresenta expressamente uma tutela civil dos direitos fundamentais, apontando
para o reconhecimento de um direito geral de personalidade, apoiado na
sistemática antropocêntrica ou «indivíduo-cêntrica».
Esse
entendimento não foi acolhido pelo positivismo que marcou a composição do
Código Civil de 1966, fortemente influenciado pelo Código Civil Francês, o qual
admitiu somente diversos direitos especiais de personalidade
Muito
depois, se assiste à sua constitucionalização. E relevamos somente a
Constituição da República Portuguesa de 1976.
As
Constituições anteriores não detêm uma tutela significa ou desconsideram a
questão social.
A
conveniência da constitucionalização dos
direitos fundamentais está ligada ao esvaziamento ou à redução pretendida pelo
legislador ordinário. A constitucionalização dedireitos, liberdades e garantias visa dotá-los de uma tutela reforçada a determinados bens
jurídicos. A Constituição Portuguesa de 1976 apresenta um catálogo extenso de
direitos fundamentais, divididos em “direitos, liberdades e garantias”. A
elevação da dignidade constitucional a princípios protetivos dos trabalhadores
criou a denominação de Constituição Laboral (arts. 53º a 57º), assumida como um conjunto de
normas e de «princípios gerais ou fundamentais». Por sua vez, os direitos
sociais são considerados como direitos a prestações (art. 58º, da CRP)” [1].
Prestam-se
a uma certa ambiguidade terminológica os conceitos de direitos do homem, direitos fundamentais e direitos de personalidade, pese embora, não sejam necessariamente coniventes e
convergentes
Os direitos do homem ganharam fôlego no direito internacional e os
direitos fundamentais no direito constitucional.
Quanto
aos direitos de personalidade, explica Jorge Miranda [2]: “Os direitos fundamentais pressupõem relações de
poder, os direitos de personalidade relações de igualdade. Os direitos
fundamentais têm uma incidênciapublicits imediata, ainda quando ocorram efeitos nas
relações entre os particulares (…); os direitos de personalidade uma incidência
privatística, ainda quando sobreposta ou subposta à dos direitos fundamentais.
Os direitos fundamentais pertencem ao domínio do Direito Constitucional, os
direitos de personalidade ao Direito Civil”.
Paulo
Ferreira da Cunha [3] critica a dicotomia de Jorge Miranda, e citando
Larenz explica que: “O direito privado é um segmento da ordem jurídica global
e, assim como esta, não cura de indivíduos que vivem isoladamente, antes de
pessoas que com outras vivem numa comunidade social.
Encontra-se
ainda subordinado a exigências da justiça social. É certo que ao Direito
privado cabe antes de mais a realização da personalidade particular nas
relações com os outros. (…). Em suma: continuamos a pensar que os direitos de
personalidade são a manifestação privatística de direitos fundamentais, e que
estes não são apenas a sua versão publicista (…). O facto de vincularem
entidades públicas e privadas (art. 18º, nº 1, da CRP) parece-nos esclarecer
que se não limitam ao direito público, ou a relações em que um dos sujeitos
seja público. Também valem nas relações totalmente inter pares,inter cives … Além disso, há direitos fundamentais de pessoas coletivas e
organizações. (…). Assim, por ex., se considerarmos um direito geral de personalidade,
como faz Orlando de Carvalho, enquanto «direito à pessoa ser e à pessoa devir»,
e se o compararmos com o direito ao livre desenvolvimento da personalidade
(art. 26º, nº 1, da CRP), vemos como a coincidência ou fungibilidade objetiva
está crescentemente ocorrendo”. [4]
A
nível internacional, domina a terminologiadireitos do homem [5], sendo o conceito direitos fundamentais domínio das
leis nacionais. A romper com a tradição, surge a “Carta dos Direitos Fundamentais da
União Europeia”.
A
expressão direitos fundamentais parece
ter surgido em França, por volta de 1770. Todavia, veio a adquirir projeção na
Alemanha, onde os Grundrecht passaram a dominar o sistema de relações entre o
indivíduo e o Estado. Jellinek descreve o status como “uma
relação com o Estado que qualifica o indivíduo”. [6]
Para
José de Melo Alexandrino os direitos de personalidade são
as “situações jurídicas básicas do homem reconhecidas pela lei civil”[7].
Quanto
à existência de direitos de personalidade na CRP, assim configurados, a
resposta é perentoriamente negativa. Os direitos previstos expressamente na
Constituição denominam-se direitos fundamentais e
não direitos de personalidade, atendendo à respetiva razão histórica da sua
consagração: a de proteger, essencialmente, os particulares contra o Estado.
Por outro lado, o de obrigar o próprio Estado a proteger os particulares de
outros particulares. No entanto, os direitos ditos de personalidade consagrados
no Código do Trabalho, possuem integral acolhimento superior, assentando na
ideia constitucional da liberdade.
“Por
tradição histórica, a distinção entre direitos e liberdades realiza-se
atendendo à posição jurídica do cidadão perante o Estado, numa relação de
verticalidade legitimidade pela heterotutela conferida ao poder público. Estes
direitos de primeira geração, na sua interpretação clássica, estão associados a
umstatus negativus, que
impõe ao Estado um dever de abstenção perante as manifestações da pessoa,
as liberdades visam defender, na sua essência, o cidadão perante a intervenção
do Estado” [8].
Os direitos, quer “os tradicionais «direitos naturais», inerentes
ao homem (direito à vida, à integridade das pessoas), quer os direitos ligados
ao status activus do indivíduo” (sob a designação de direitos
políticos, liberdades-participação, direitos do cidadão), permitem ao respetivo
sujeito um campo de intervenção positiva ou negativa perante a comunidade em
geral.
Por garantias, entende-se “quer o direito dos cidadãos a exigir dos
poderes públicos a proteção dos seus direitos, quer o reconhecimento dos meios
processuais adequados a essa finalidade” [9].
Ou
seja, as garantias apresentam um nível de proteção maior do que os próprios
direitos.
Mais
do que nunca, na adversidade laboral, osdireitos de personalidade não podem ser postergados. O espaço do direito
do trabalho nasce da aceitação jurídica das desigualdades das partes, da
relação não paritária, e assim se deverá manter. O trabalhador não é titular da
empresa, não quinhoa na sua dinâmica financeira (nos lucros e nas perdas); não
obstante, ele é também a empresa, a sua voz, as suas mãos. A coisificação do
trabalhador que o relaciona como um recurso (o recurso humano, entre outros,
porventura mais valiosos, como a maquinaria e o capital) e que lamentavelmente
hoje ainda perdura, não pode levar à sua desumanização.
[1] Paula Quintas, Os Direitos de Personalidade Consagrados no Código do Trabalho na
Perspetiva Exclusiva do Trabalhador Subordinado – Direitos (Des)Figurados,Coimbra: Almedina, 2013, pp. 100-101.
[2] Manual de Direito
Constitucional, T. IV, Coimbra:
Coimbra Editora, 2008, 4ª ed., pp. 58-59.
[3] Desafio metodológico dos
direitos de personalidade: categorias e conceitos nos 20 anos do CSC –
Homenagem aos Profs. Doutores A. Ferrer Correia, Orlando de Carvalho e Vasco
Lobo Xavier. BFDUC. Vol. III, Varia
Coimbra: Coimbra Editora. 2007, p. 839.
[5] Declaração Universal dos Direitos do Homem,
Convenção Europeia dos Direitos do Homem.
[6] Citado por Robert Alexy, Teoria dos Direitos Fundamentais, tradução de Virgílio Afonso da Silva da 5ª ed. alemã (Theorie der
Grundrechte, publicada pela Suhrkamp Verlag, em 2006), Malheiros Editores,
teoria & direito público. 2008, p. 257.
[7] Direitos Fundamentais –
Introdução Geral. Cascais: Principia.
2007, p. 32.
[8] Paula Quintas, Os Direitos de Personalidade, já citado, p. 112.
[9] Robert Alexy, op. cit., p. 311